Por a 10 Fevereiro 2021

Quando o armazém de uma indústria criativa dá lugar a uma habitação familiar… Mantendo a mesma essência dramática.

Fotografia: Gui Morelli I Produção: Amparo Santa-Clara

Texto: Mafalda Galamas

O pátio é um ícone de Campo de Ourique e os seus armazéns da década de 40, do século passado, sempre foram moradas de artistas nos seus diversos ramos de atividade: pintores, ceramistas, músicos, entre outros. Aos poucos, e na sequência de uma merecida, e inevitável, revitalização, alguns destes armazéns têm vindo a ser reconvertidos em habitação. 

O jovem casal que hoje vive num destes espaços apaixonou-se desde cedo pelo ‘ar’ que aqui se respira. Ainda o armazém tinha resquícios de um antigo estúdio de gravação de música, com paredes forradas a espuma, microfones e até um piano… Quase ao ar livre dado o estado de ruínas em que o edifício se encontrava. Mesmo assim, não hesitaram e conseguiram vislumbrar o magnífico loft que aqui poderia (re)nascer.

Mangas arregaçadas e mãos à obra! Com a preciosa colaboração do arquiteto Martim da Cunha Ferreira e o trabalho de decoração de interiores de Inês Brilha, o resultado ao fim de três anos foi este: Um loft familiar, com características industriais e decoração de estilo vintage.  

Os 160m2 diluem-se num espaço amplo que flui, naturalmente, entre hall, sala, cozinha e uma mezzanine com acesso à zona privada do imóvel. Com um pé direito de seis metros, as janelas quadriculadas, as vigas e a escada de ferro foram opções intencionais com o objetivo de evidenciar as características industriais deste espaço, bem ao estilo de Brooklyn, nos EUA.

O facto de ser uma habitação sem grandes barreiras físicas torna-a uma casa evolutiva e bastante orgânica. Ao contrário das construções convencionais, há aqui a possibilidade de transformá-la à imagem de quem aqui vive, adaptando-a às suas dinâmicas familiares.

Maria Furtado, sócia da marca Cão Azul, e João Brilha, gestor, são colecionadores. De mobiliário. De peças com história. No fundo, de memórias. Raros são os elementos aqui presentes que não têm uma narrativa associada. 

Assim que entramos deparamo-nos com uma espécie de garagem integrada num recanto da sala. A mota inspirada nas películas do ator Steve McQueen, em tempos apelidado como the king of cool, não é meramente decorativa, os capacetes são os de utilização diária e as pranchas também fazem parte das atividades desportivas do proprietário.

Na parede oposta encontramos a ‘estante das memórias’. Além do lado funcional que possibilita ter tudo à mão é, também aqui que estão as melhores histórias. A das caixas coloridas que reúnem as lembranças das viagens do casal; às peças criadas pelo artista António Vasconcelos Lapa, ou à máquina de escrever da bisavó de Maria, comprada em New Orleans. Também a raquete de ténis de madeira, com cabeça quadrada, era de família. O gira-discos e os discos de vinil não estão só a enfeitar. São vários os momentos em que o jovem casal faz questão de os pôr a tocar.

As histórias continuam nas arcas e cadeirões de família, que foram restaurados, ou à mesa de refeições adquirida numa das conservatórias de Lisboa antes de encerrar (foram muitos os casamentos e divórcios que aqui foram registados!)… para citar apenas alguns exemplos.

Os cartazes que vemos nas paredes também têm um bocadinho da história do pátio. Uma das artistas aqui residente, a pintora Barbara Assis Pacheco, entre outros projetos integra o grupo ‘As Toupeiras’, criadoras de cartazes das manifestações que anualmente celebram o 25 de Abril. 

A outra parede é, igualmente dedicada a artistas, do quadro do Vhils, ao de akacorleone, ou de Shepard Fairey, numa homenagem à street art, com particular interesse pelos artistas nacionais, onde constam também peças de Tamara Alves e Wasted Rita, entre outros anónimos recolhidos da rua.

Outra das particularidades deste ambiente, e decoração, são as inúmeras peças feitas pelo casal. A sua vertente do it yourself está patente em elementos como os candeeiros feitos de latas de óleo, aos bancos de estilo industrial cujos assentos são selins de bicicletas, até ao baloiço que foi instalado numa das vigas da sala.

Ao fundo, na cozinha, a ideia foi funcionar como um pano de fundo neutro, fugindo aos tons de branco e optando pelo cinza, acompanhado pelo conforto da madeira.

Nos pisos cimeiros, temos um espaço de trabalho com visibilidade e comunicação com o resto da casa e, os respetivos quartos.

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