Por a 8 Junho 2022

A essência dos materiais, aquilo com que cada um pode contribuir e a forma como podem elevar um projeto, foi um dos pontos de partida para Can Monges, uma casa ao sul da ilha de Maiorca, mas não só. Todo o projeto foi pautado por uma abordagem consciente e ecológica.

Projeto: Virginia González del Barco, Ideo arquitectura / Localização: Maiorca / Área: 250 m2 / Fotografia: Salva López / descrição enviada pelos autores do projeto

Cânhamo, cal e arenito, uma casa natural. É o nome com que baptizámos esta casa em Ses Salines, no sul da ilha de Maiorca. Desenvolvemos o projeto assente na premissa: “pensar global, agir local”, tendo em mente uma poluição zero e o uso de recursos locais.

Como conseguimos? Deixando-nos levar pela essência dos materiais e pelo que cada um deles pode acrescentar. Desta forma, aproveitámos o entulho gerado pela própria obra,  reutilizámos e reciclámos acabamentos, azulejos e portas existentes e utilizámos novos materiais de empresas da ilha. Tudo isto aliado a técnicas construtivas locais, como o reboco a cal, fazem de Can Monges um lugar experimental e de pesquisa.

Sobre o projeto

A casa tem 200 anos e sofria de um enorme problema de humidade. Somos pioneiros nas ilhas na utilização do cânhamo e esperamos ser um exemplo para outros arquitetos. Como sabemos, em Maiorca, e em quase toda a Espanha, este material ainda não foi trabalhado por ignorância e falta de empresas que o fabricam (em 1961 as Nações Unidas proibiram o seu cultivo, agora suspenso). No entanto, sabíamos que é adequado para áreas com elevada humidade como a ilha, uma vez que o controlo higrotérmico provocado por este material aumenta o conforto e poupa energia.

O interessante no cânhamo, é que recolhe a humidade do solo e transmite-a ao ambiente interno. (Não fica na parede). Tínhamos um plinto perimetral de um metro de altura que percorre todo o piso térreo. Quando a casa está fechada, a humidade por capilaridade que passou para o ambiente através deste pedestal de cânhamo desaparece, graças à localização estratégica de vários respiradouros cerâmicos em fachadas opostas que renovam o ar.

Também utilizamos o cânhamo nas coberturas devido à sua capacidade térmica muito elevada (três vezes superior aos tratamentos convencionais), e nas paredes que separam os quartos devido às suas extraordinárias capacidades acústicas (alta densidade). Aprendemos que a energia bruta consumida na sua fabricação é muito baixa, de rápido crescimento e fácil cultivo. É saudável e altamente durável. Temos que saber que o uso de cânhamo na construção contribui para reduzir gases de efeito estufa durante a vida útil dos edifícios. Sem dúvida, é um dos materiais do futuro, pois também começa a ser usado como sistema estrutural, penalizando o betão.

As cordas das grades das escadas também são feitas de cânhamo. Foi o único material que prescrevemos fora de Maiorca. Não nos arrependeremos se Can Monges se tornar um exemplo de arquitetura ecológica que impulsiona os promotores das ilhas a cultivar esta planta para uso na bioconstrução. Can Monges é uma oportunidade para arquitetos, construtores e empreendedores locais dispostos a melhorar a qualidade das pessoas e das cidades.

Para tornar esta reabilitação num lugar ambientalmente eficaz, antes de mais, tivemos de considerar o que fazer com os entulhos gerados pela obra. Duas máximas para começar; reutilização e reciclagem. O entulho da demolição foi usado para consolidar as paredes das fachadas. Os blocos de arenito foram usados ​​para os novos móveis da cozinha e das casas-de-banho. O pavimento existente, que estava em muito mau estado, ganhou uma segunda vida, reutilizando-o nos novos vãos da fachada. Tudo isto contribui para a redução do uso dos recursos do planeta.

A argila e a cerâmica fornecidas por empresas locais estão presentes em calhas e outros elementos. A lareira da sala é construída com o gesto invertido de duas abóbadas curvas, as mesmas que usámos para o novo pavimento da cozinha e para os candeeiros dos quartos.

Para as portas e janelas das fachadas, tivemos em conta o pinho do norte (também de Maiorca). Conferimos à carpintaria uma enorme personalidade com um novo sistema numa única peça em forma de “T”. Por que não deixar os vãos livres e colocar toda a carpintaria na face interna da parede? Nós fizemos isso. O “T” está embutido numa ferida na parede feita para o efeito para consolidar o caixilho, sendo toda a carpintaria diretamente visível. Novamente o material na sua essência, que é nosso objetivo sempre.

A construção em cal é uma técnica antiga em Maiorca. Até agora, era usada apenas em fachadas e superfícies verticais. Nós ousamos e também a usámos em pavimentos e tetos. O resultado da continuidade estética e plástica em todo o interior revela uma atmosfera de paz e tranquilidade, uma das poucas exigências do cliente.

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