Escondida entre as curvas dos Alpes, na serenidade da aldeia histórica de Cisore, esta intervenção de restauro devolveu vida e memória a uma casa que carrega séculos de história.
Projeto: Atomaa
Situada no norte do Piemonte, a poucos passos de Domodossola, a paisagem que a envolve parece saída de uma tela: montanhas que sussurram histórias antigas, sobre a fronteira entre Itália e Suíça, onde se cruzam a essência austera dos Walser do Vale Formazza e as pinceladas vibrantes dos pintores do Vale Vigezzo.


É um lugar que se pode alcançar também a pé: uma viagem que começa em Milão, onde reside o cliente, segue de comboio até Domodossola e termina com uma caminhada por uma antiga vereda de mulas até Cisore. Um paraíso tão remoto quanto acessível.




A casa que esteve no centro deste projeto guarda memórias familiares profundas. Outrora pertencente aos avós do cliente, encontrava-se abandonada há mais de vinte anos. Mesmo assim, as suas características originais resistiam ao tempo, e o objetivo foi respeitá-las, preservá-las e realçá-las, como se fossem relíquias de outro tempo.


O maior desafio foi o espaço. A casa original era escura, fria e compartimentada, como tantas antigas habitações de montanha. A nova visão, porém, trouxe luz, fluidez e ligação entre os ambientes. Através de aberturas estratégicas e soluções arquitetónicas precisas, a luz passou a invadir cada canto.


A escada, íngreme e imponente, ganhou destaque: tornou-se o elemento central da narrativa arquitetónica, ligando os pisos e preservando o seu caráter original. As novas aberturas, criadas para permitir a passagem da luz entre a sala e a cozinha, deram-lhe protagonismo e profundidade.


A cozinha, com a sua lareira monumental — o coração da casa —, foi transformada num acolhedor espaço de convívio, ideal para conversas e jantares entre amigos. Cada detalhe, dos pavimentos e tetos em larício, nogueira e castanheiro à pátina do tempo que cobre cada superfície, foi tratado com cuidado artesanal. As vigas, outrora enegrecidas pelo fumo ou branqueadas pela cal, foram recuperadas por mãos experientes.


O vermelho da resina pompeiana, em contraste com o ferro escuro dos corrimões e das estruturas metálicas, atua como fio condutor, sublinhando as intervenções contemporâneas e revelando a passagem do tempo com elegância.


No piso superior, o equilíbrio entre tradição e conforto moderno ditou a inclusão de uma nova casa de banho, pequena mas funcional, revestida nos mesmos tons vermelho e bordeaux que percorrem todo o piso térreo.
Uma claraboia de vidro revela a essência do telhado e transforma o sótão num lanternim luminoso, ampliando o espaço e iluminando o quarto mais pequeno. A cobertura em pedra composta pelas tradicionais piode di beola foi cuidadosamente restaurada, mantendo a sua imponência.
Apesar da robustez exterior, feita de pedra local, o interior esconde um coração de madeira acolhedor, que pode servir de quarto extra no verão ou de espaço lúdico.
No exterior, a intervenção foi mínima e respeitosa com o contexto histórico. Pedra, reboco de cal natural e uma videira americana, que sobreviveu milagrosamente ao abandono, enquadram o espaço. Um olival, jasmim e ervas aromáticas envolvem a mesa de pedra, que volta a acolher pequenos-almoços e jantares de verão à sombra da vinha.
Hoje, Cisore é mais do que uma casa restaurada: é um refúgio que respira memória e olha para o presente com esperança, provando que a arquitetura pode preservar a alma de um lugar e das pessoas que o habitaram.
Um abrigo luminoso e acolhedor, onde tradição e inovação se encontram para contar uma nova história.