Por a 30 Dezembro 2020

Umas trompetas na sala. Umas socas na parede da casa de banho, ou umas mãos de gesso a receber os que aqui entram, em forma de bengaleiro. Tudo isto, a juntar à Avenida mais emblemática do país e a uma reabilitação, e decoração, premiums. Quer ficar para ver?

Fotografia: Liete Couto I Produção: Amparo Santa-Clara

Por Mafalda Galamas

Na esquina da Avenida da Liberdade com a Rua Rosa Araújo (figura notável do séc. XIX com grande responsabilidade no florescimento da Avenida mais incrível de Lisboa e que vale a pena conhecer melhor), reergueu-se um prédio digno de figurar em qualquer cidade cosmopolita. Quando Ana Rita Soares, a designer de interiores responsável pela decoração do apartamento, subiu ao topo deste prédio, numa primeira visita ao imóvel, pôde apreciar detalhadamente o respeito pela manutenção da traça e das características singulares do seu interior. «Entrei no final do processo de reabilitação, da responsabilidade do arquiteto Frederico Valsassina, concretamente na fase de acabamentos e dos estuques, enquanto recriavam as molduras nas paredes e os tetos, minuciosamente, a partir de fotos dos originais. Todas as portas das divisões e dos roupeiros foram recuperadas, bem como as portadas de madeira (das janelas)… E a vista incrível para as copas das árvores daquela Avenida? É qualquer coisa», desabafa a designer.

O T3 distribuído por 200 m2, propriedade de um casal que vive fora de Portugal, mas que faz questão de ter em Lisboa um pouso para escapadelas frequentes, com a sensação de estarem em casa, reúne, na verdade, todo o conforto e funcionalidade de uma qualquer primeira habitação.

Apesar das duas entradas possíveis, o hall (mais) nobre da casa exigiu um olhar mais crítico. É aqui que surge o primeiro contacto com o pé-direito de 3,30 m, os tetos trabalhados e o magnífico pavimento de madeira maciça. Além de suprir as necessidades de qualquer pessoa que entra em casa, com soluções que permitam largar casacos ou “despejar bolsos”, a dimensão do espaço pedia algo mais. Houve espaço para a criação de uma estante sem costas, da cor da parede, feita por medida, bem como para a namoradeira Sancal, ao centro, que permitisse uma passagem fluida entre divisões e não um obstáculo. O quadro é da autoria de Gonzalez Bravo.

O casal, com dois filhos pequenos, queria sobretudo uma casa onde pudessem receber os diversos amigos que os visitam sempre que estão em terras lusas. Este foi um ponto de partida determinante para o projeto da sala que teria, naturalmente, de acomodar várias pessoas sentadas, quer na zona de lazer, quer na de refeições. Ana Rita Soares explica que houve necessariamente uma otimização do espaço, quer através da disposição dos sofás, da versatilidade de uma mesa oval, ou até da parede de espelhos que, como se sabe, amplia os espaços.

Todos os têxteis foram feitos por medida, do tapete ao sofá e almofadas, os tecidos foram minuciosamente escolhidos, com os pormenores dos vivos noutra cor. Assim como os móveis, por exemplo, a consola e a mesa de centro em latão, vidro e base em espelho, permitindo refletir o teto trabalhado. Na zona de jantar, à mesa com pé de ferro preto foi adaptado um tampo de mármore que acomodasse oito a dez pessoas, e as cadeiras foram mandadas fazer. Sendo um dos aspetos mais importantes de qualquer habitação, a iluminação não foi naturalmente descurada. O aplique de parede da Marset e o de teto, com braços em latão e bolas de vidro, são italianos e foram personalizados.

«Uma das exigências dos proprietários era conseguir uma casa prática, com vida, personalizada e que não tivesse o ar frio e impessoal de um hotel, ou que parecesse um museu. Daí a opção pelos vários quadros de autor em redor da televisão (onde se encontram nomes como Guilherme Parente ou Risques Pereira, para citar apenas dois exemplos), ou das trompetas do Butão, atrás do sofá. Foram formas de enquadrar peças já existentes, no novo espaço», partilha a decoradora.

Já na suíte, entramos diretamente para o closet. O quarto desenrola-se em três zonas, e na primeira, duas das portas de roupeiro foram intencionalmente desmanchadas para a criação de uma zona de desk, necessária para o proprietário trabalhar pela noite dentro devido às diferenças de fuso horário. Mesmo ao lado, na cabeceira de cama destaca-se o papel de parede Casamance, em tons de azul. A cabeceira foi mandada fazer ligeiramente avançada, com prateleira, onde repousa o quadro com leques (do Japão) da família. Também aqui, os têxteis foram selecionados ao detalhe, de base neutra pontuados apenas com alguma cor. As almofadas têm tecido Arlequim e o tapete com efeito degradé vai escurecendo ligeiramente. O quarto contempla ainda um espelho de canto e uma zona de leitura, com cadeirão, repousa pés e quadro de autor, Rui Tavares. O candeeiro de teto Flos e os cortinados simples privilegiam a entrada de luz natural.

Para sonhar temos ainda o quarto das crianças… Onde o papel de parede estimula a criatividade dos mais pequenos. Pelo facto de o quarto se desenrolar sobre o comprido, também a solução de mobiliário teve de ser criativa. As camas foram desenhadas pela designer e executadas na base do mobiliário evolutivo, isto é, permitindo que se mantenha a par com o crescimento dos filhos do casal. Hoje têm três anos, mas, quando for necessário, a cómoda do meio sai e adaptar-se-á um colchão maior à estrutura já existente. As camas brancas têm gavetões cinza-claro e a cabeceira em tecido foi executada com pequenos bolsos para qualquer necessidade, bem como o tapete sob o comprido, em forma de nuvem.

Como mesmo em férias os proprietários necessitam de se manter atentos aos negócios, foi imprescindível uma divisão destinada a escritório. A divisão inclui um sofá-cama – junto aos posters vintage (1920), que já eram do casal –, para qualquer eventualidade. E da zona de trabalho destaque para o candeeiro de mesa Atollo da marca Oluce, a cadeira com pés dourados e o corvo da Vitra.

O apartamento resulta num estilo eclético onde os tons neutros, com apontamentos de cor e geométricos simples, predominam. Tudo inteligentemente combinado com peças das viagens do casal.

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