Por a 3 Novembro 2025

Nas margens do Lago Lugu, no sudoeste da China, ergue-se SongMoon: um retiro desenhado em absoluta cumplicidade com a natureza. Entre pinheiros, pedras e neblina, o arquiteto Yi Ping criou um lugar que não se impõe à paisagem — dissolve-se nela.

Projeto: YID / Fotografias: Liang Jiajian Space / segundo memória descritiva

No sudoeste da China, nas margens do Lago Lugu, existe um lugar chamado SongMoon que se assume como um retiro construído em diálogo íntimo com a montanha, entre pinheiros altos, bruma matinal e reflexos de água. O projecto, assinado pelo arquitecto Yi Ping, não nasce de um conceito abstrato, mas de um gesto profundamente terreno — escutar o lugar antes de o transformar.

A história começou antes da primeira pedra ser colocada. O acesso ao topo da montanha estava fechado há anos e foi o pai da proprietária, Qi Qi, quem passou três meses a reabrir manualmente os sete quilómetros de estrada abandonada. Só depois dessa reconquista física do território foi possível imaginar o que viria a ser SongMoon. Para Yi Ping, esse acto — humilde, paciente, persistente — definia já o carácter do projecto: construir não como imposição, mas como continuação do que a montanha permitia.

No ponto mais alto ergue-se a bookhouse, uma casa de leitura pousada na encosta, com base de pedra e estrutura em madeira recuperada. A cobertura inclina-se discretamente em direção ao lago, os beirais baixam-se e as grandes janelas enquadram o que se passa lá fora. 

No sopé fica o homestay, um edifício de três pisos inspirado na tradição arquitectónica Mosuo, com paredes em tons terrosos e zonas semi-abertas que dissolvem a fronteira entre dentro e fora. Não há o habitual corte brusco entre o mundo natural e o espaço construído; há, em vez disso, sombras, varandas, corredores, pequenos respiros que prolongam o exterior para dentro.

Todos os materiais foram escolhidos com a mesma lógica de pertença. A pedra veio diretamente da montanha, reaproveitada das obras de reabertura da estrada. A madeira foi retirada de antigas casas guardadas pelo pai de Qi Qi e as coberturas foram feitas com casca de cipreste aplicada à mão. Gestos que mostram que o uso de materiais locais não é estética, é coerência.

Os interiores seguem a mesma honestidade. Nada é ostentação: é tactilidade. Paredes de pedra bruta, pavimentos de tijolo escuro, mobiliário em madeira maciça, linho, ferro, lareiras, luz natural. Os quartos abrem-se por inteiro à montanha, sem filtros, sem cortinas. Nas varandas, duas cadeiras e uma mesa de chá bastam para ocupar horas. A paisagem é o verdadeiro luxo.

Para Yi Ping, SongMoon não é apenas um edifício bem integrado no lugar — é um espaço concebido para a cura, para o silêncio, para o reencontro com o tempo natural das coisas. “Com a linguagem da arquitectura, procuro a fé na natureza; com a luz e os materiais, procuro criar experiências que toquem a alma”, diz o arquitecto. É essa mesma filosofia que torna SongMoon um projecto raro: não quer marcar território, quer devolver sentido.

Num mundo em que a construção tantas vezes disputa protagonismo com a paisagem, SongMoon é a prova de que ainda existem lugares onde a arquitectura não quer ser monumento. E viajar, por vezes, significa apenas isto: encontrar um lugar que nos devolve ao ritmo certo.