Gizada para receber a notável coleção de mobiliário e de arte dos seus habitantes – o fotógrafo de arquitetura Bruce Damonte e a designer de interiores Alison -, a remodelação desta casa resulta da colaboração e da amizade de longa data entre o casal e o coletivo Mork-Ulnes Architects.
Projeto: Mork-Ulnes Architects / Fotografia: Bruce Damonte / segundo memória descritiva
A moradia, desenhada por Mork-Ulnes Architects, com interiores de Alison Damonte, está localizada em Bernal Heights, um bairro residencial de São Francisco, no extremo sul de um vale. O bairro sobreviveu ao terramoto e ao incêndio de 1906, que destruíram grande parte da cidade, mas floresceu após a catástrofe, já que existiam muitos terrenos livres para construir e alojar quem ficou sem teto.
À semelhança de tantos outros projetos do coletivo Mork-Ulnes Architects, também aqui a tradição é reinterpretada com uma perspetiva contemporânea, em que a investigação formal e as técnicas de construção são parte integrante da criação de um resultado original e inovador que envolve a sua envolvente e suscita novas investigações.
Com três andares, a casa foi concebida como um contentor, para guardar e realçar a coleção de arte e mobiliário do casal, e como um laboratório para o seu trabalho. Havia que incluir três quartos e três casas de banho e havia ainda que conseguir aproveitar as vistas panorâmicas e as do céu ocidental de São Francisco.
Adquirida em 2010 pelo casal, a designer de interiores Alison Damonte e o fotógrafo de arquitetura Bruce Damonte, a modesta residência de madeira com mais de um século pedia, há algum tempo, uma renovação. Amigo e seguidor do trabalho de Bruce, o arquiteto Casper Mork-Ulnes foi a escolha natural para gerir a remodelação.
“Já colaborávamos com o nosso amigo, o fotógrafo de arquitetura Bruce Damonte, há mais de 15 anos quando ele e Alison, também nossa amiga, nos abordaram para renovar a sua casa em São Francisco. Sabíamos desde o início que este projeto seria uma colaboração interessante, equilibrando as nossas tendências redutoras com os impulsos mais exuberantes e maximalistas dos nossos clientes/amigos, cujo estilo sempre admirámos e quisemos celebrar.”
Durante o projeto de remodelação, um incêndio devastou a casa na véspera de Natal de 2017. Embora o incidente tenha forçado uma reavaliação do âmbito e da escala do projeto de remodelação, o objetivo do casal permaneceu o mesmo — criar uma casa que funcionasse como uma cápsula de arte e inspiração.
O volume de madeira original do ano 1908, construído para um carpinteiro e a sua família de cinco pessoas, tinha um único piso com um telhado de pouca inclinação e destacava-se entre os telhados de duas águas mais tradicionais que ladeavam a rua íngreme. O incêndio obrigou a uma reformulação crítica dos objetivos do projeto. Mork-Ulnes propôs uma nova estrutura com as proporções, escala e massa exterior inspiradas nas casas de empena, eduardianas, da vizinhança. O revestimento exterior em cedro reflete o vernáculo local, em particular os painéis horizontais das casas ao lado.
A anterior casa vitoriana, pequena e púrpura, foi então substituída por uma casa moderna que se mistura harmoniosamente com a paisagem daquela rua de São Francisco. “Estamos gratos por termos escapado ao incêndio e por termos encontrado uma fénix nas cinzas da nossa casa”, afirmam os proprietários Bruce e Alison. “A casa passou a ser vista como um recipiente para a nossa coleção de ideias materiais, mobiliário e arte reunidos ao longo dos anos.” A silhueta exterior, madeira pintada de preto carbonizada, pretendia seguir as sugestões dos edifícios típicos da cidade. As proporções, a escala e a massa derivam das suas vizinhas, que se prolongam pelas ruas íngremes e típicas da paisagem urbana de São Francisco, mas reinterpretam as sugestões do design eduardiano em elementos decorativos mais abstratos, como padrões de revestimento e composição cheio-vazio.
Características modernas, tais como padrões de revestimento, coexistem com as formas do telhado, o portal de entrada/abóbada e a massa das casas vitorianas. Mas a nova casa também rompe com a tradição, com a fachada pintada de preto e os planos de vidro, que ligam visualmente o interior à envolvente.
A investigação formal e as técnicas de construção são parte integrante do resultado e suscitam novas investigações. O volume da casa é abstrato e simplificado, como uma grande peça geométrica que dá uma ideia da linguagem arquitetónica e da coleção de objetos selecionada. Os interiores foram desenhados para funcionarem como uma montra para a coleção de arte e de mobiliário do casal e são reveladores do seu interesse por materiais e texturas. A escadaria central, sinuosa e esculpida, com o seu ripado de madeira semi-polida, é como um túnel claro que deixa passar a luz da claraboia do terceiro piso, conduzindo-a até ao rés-do-chão, e dá origem a uma atmosfera que reflete o espírito criativo do casal. O seu ripado refrate a luz, para um efeito muito interessante.
Inicialmente concebida como uma galeria de arte e mobiliário e um laboratório de experiências decorativas para dois entusiastas do design, esta casa com três quartos e três casas de banho inclui uma sala de música inspirada no ambiente de uma discoteca, um estúdio de fotografia e uma outra grande sala, no último piso, que se abre para uma vista panorâmica de São Francisco e do seu bairro vitoriano. A esta, junta-se a grande cozinha com espaço de refeições, banhada de luz e igualmente rica em vistas.
“Depois de várias conversas e iterações, encontrámos o que o projeto precisava: um sistema organizacional de objetos que pudesse ser usado para mostrar os vários e ecléticos materiais e acabamentos que Alison queria usar. Embora muitas vezes minimizemos o número de materiais num projeto para criar e refinar a essência de um espaço, este projeto precisava de uma estrutura ou enquadramento de objetos que pudessem tornar-se peças esculturais e texturizadas dentro da tela nua das paredes e dos pavimentos em tijoleira brancos — tal como é a coleção de arte moderna e escultura dos Damonte, extremamente variada e excitante. Ripas de espelho e azulejos de resina personalizados, a bola de discoteca preta, as ripas das escadas, entre tantos outros aspetos, além da capitalização das vistas a que se tem acesso a partir do novo terceiro piso são tudo predicados.
Para este projeto, os proprietários optaram por uma planta invertida, com o nível mais baixo pensado para maior privacidade, onde se alojam a suite principal e um pequeno jardim submerso; o segundo nível, contém a entrada, o quarto de hóspedes e divisões mais íntimas para entretenimento e lazer; por fim, o novo espaço de estar e a cozinha do último e terceiro andar é aquele que oferece a maior transparência, com vistas distantes de Noe Valley e Twin Peaks e vistas mais próximas das casas vizinhas e de Bernal Hill.