Por a 8 Junho 2022

Um edifício estreito, de 4 andares num bairro de Barcelona foi reabilitado e transformado numa única residência. O avançado estado de degradação não permitiu manter o interior, mas possibilitou que as paredes cruas e heterogéneas se revelassem. Hoje, elas acolhem um programa que se pauta pelo requinte na escolha dos materiais.

Projeto: Raúl Sánchez / Área: 105 m2 / Ano: 2022 / Fotografia: José Hevia / descrição enviada pelos autores do projeto, via archdaily

Este complexo projeto começou há 8 anos. A ideia era a de transformar um pequeno edifício localizado no bairro Borne, em Barcelona, do final do século XIX e com quatro andares – mas apenas com 20 m2 em cada piso -, num lugar para passar curtas estadias e trabalhar.

Originalmente o edifício estava em ruínas. A isso somou-se uma necessidade de adequação às normas vigentes, o que tornou praticamente impossível desde o início a reutilização do interior, procedendo-se à demolição completa do mesmo, mantendo-se apenas as fachadas e paredes divisórias, e a laje de cobertura.

O processo de construção lento e complexo, acabou por permitir que as decisões fossem tomadas à medida que a essência do espólio se revelava com as demolições. Assim, uma vez que todas as lajes dos pisos foram demolidas e o edifício foi visto como um prisma esbelto e alto, formado por paredes com uma composição completamente heterogênea de todos os tipos de tijolos e pedras dispostos sem ordem ou composição aparente, a ideia de deixar todos essas paredes expostas tornou-se concetual. As quatro paredes, com mais de 15m de altura, tornaram-se um museu da história do edifício, onde qualquer vestígio da sua construção (arcos, lintéis, escadas e vigas) e do seu uso (restos de argamassa, móveis, revestimentos ..) ficou inalterado e exposto em toda a sua crueza. 

Os novos pisos (3 no total) são suportados por novas vigas entre as paredes divisórias, que não tocam em nenhuma das duas fachadas: em direção à fachada principal, separa-os uma lâmina de vidro; e em direção à fachada interior, a escada será um vazio de 4 andares que une todo o interior e mostra a altura surpreendente do edifício.

Entrada-cozinha-sala de jantar, sala de estar, casa-de-banho/closet, quarto e terraço, formam, de baixo para cima, a sequência do programa. De qualquer forma, à exceção dos móveis da cozinha e dos equipamentos da casa-de-banho, nada mais ocupa os pisos, para que os usos possam ser revertidos ao longo do tempo.

A presença das instalações, ao excluir desde o início ranhuras nas paredes ou pequenos poços, assume um papel especial e relevante no seu interior: 7 cilindros de aço inoxidável percorrem toda a altura do edifício, conduzindo toda a parte eléctrica, ventilação, canalização, instalações de extração, saneamento, ar condicionado e telecomunicações dentro de 6 cilindros, deixando um deles vazio para necessidades futuras. Estes cilindros não ficam escondidos e percorrem o prédio através de móveis e pisos. As restantes instalações são sempre visíveis, nunca embutidas, realçando a rugosidade das paredes de alvenaria sobre as quais se inserem.

Em termos de materialidade, procurou-se um certo requinte nos novos elementos a implementar, em oposição à crua expressividade das paredes existentes, conscientes de que o espaço deve albergar uma casa. Assim, para a cozinha foi escolhido um móvel de latão fosco, brilhante e com reflexos, e com tampo de mármore branco; os equipamentos da casa de banho são revestidos a madeira lacada de cor ligeiramente creme, com pormenores em preto e latão; o mosaico hidráulico, o microcimento, os pavimentos em carvalho e os tetos em madeira adicionam calor e cor ao interior.

A estrutura é toda pintada de branco, procurando uma certa abstração material, principalmente no desenvolvimento da escada em caracol, que aparece como um cilindro autónomo que percorre toda a altura do edifício sem tocar nas paredes em nenhum momento. 

Pelo contrário, todos os detalhes das paredes existentes são diretos e crus: os caixilhos das janelas são feitos com argamassa direta, as pré-molduras não são ocultadas e os elementos estruturais das amarrações são deixados sem polimento. Em cima, no topo da escada, uma clarabóia introduz luz até aos estratos mais baixos; em direção à fachada, as folhas de vidro refletem a iluminação entre os andares e introduzem reflexos em constante mudança.

A fachada principal foi reabilitada seguindo os regulamentos do departamento de património, devolvendo-lhe uma imagem do passado. Só na porta de entrada houve liberdade de inventar uma frente que reproduz o desenho tridimensional do clássico mosaico hidráulico (usado no piso térreo e muito querido pelo cliente).

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