Por a 11 Novembro 2020

Paula Matos Santos foi a arquiteta de interiores responsável por este projeto, que alia os registos de outras épocas às necessidades do século XXI.

Fotografia: José Manuel Ferrão para Revista Urbana I Texto: Mafalda Galamas

O prédio, de traça antiga, quase centenário, situado numa das vias mais movimentadas de Lisboa, transforma-se num inesperado refúgio sempre que a porta se fecha.

As características denunciadoras da passagem do tempo, que muitos se esforçam por apagar, foram aqui valorizadas e potenciadas. O apartamento de pé-direito alto, soalho de madeira, corredor em lioz, pavimento de mosaico hidráulico, portas e tetos trabalhados foram a incrível matéria-prima com que Paula Matos Santos teve de lidar, quando coordenou este projeto de interiores.

Paulo Velez, copy numa agência de publicidade e pintor nas horas vagas, é o proprietário e único morador desta habitação, marcadamente masculina, e com muito “sex appeal”. A casa conheceu obras de remodelação, tendo sido reforçadas algumas das paredes e estipuladas novas localizações, como, por exemplo, para as instalações sanitárias. A antiga casa de banho, situada na sala, renasceu nos antigos arrumos da casa – solução encontrada para aumentar a sala –, sendo uma das exigências do proprietário.

Aos primeiros passos percebemos a pedra lioz nas paredes do corredor que conduzem à sala. Os cabides de snooker preencheram a necessidade de encontrar algo onde pendurar de uma forma marcadamente masculina. E a bicicleta, fundamentalmente utilitária (dobra-se toda e guarda-se em saco próprio), acaba, também, por ser decorativa.

Já na sala, somos recebidos por umas incríveis “portas abertas”, altamente trabalhadas, com uma quadrícula ímpar, que se fez questão de manter. A autenticidade da casa está presente em paredes, rodapés, portas trabalhadas e tetos. A sala, área privilegiada do apartamento, reflete uma falsa despreocupação de quem aqui vive. Notamos a cuidada conjugação de peças inteligentemente interligadas. As antigas ‘’heranças’’ de família, que Paulo foi colecionando ao longo da vida, foram o ponto de partida para a arquiteta de interiores conceber a decoração.

Destaque para a mesa de música com relógio ao centro. Uma espécie de palco para vinis e CDs. Acima, um quadro da autoria do proprietário. Peças com história são o que não falta nesta sala, do carrinho de chá que alberga o candeeiro de madeira, ao rádio, à arca central ou à espingarda na parede… Os cadeirões virados para o centro, um da Área Store, outro adquirido na Remar, contrastam com o brilho da consola espelhada para o televisor. Esta fora, em tempos, uma estante da Ikea, agora integralmente forrada a espelho.

Além da incrível e sedutora luz vinda da varanda de estilo colonial, o espaço é iluminado por candeeiros, muitos deles com inspiração art deco – uns adquiridos em feiras, outros em lojas de velharias.

Mas são os tons dos tapetes envelhecidos, que fazem a ligação entre as duas salas. Mesmo ao lado, a de jantar, também reúne elementos inesperados. O maior de todos é um antigo arquivador, comprado em segunda mão e, posteriormente, restaurado. Paula Matos Santos explica que foi decapado de forma a recuperar o inox. A mesa de jantar é composta pelos pés de um antigo estirador, ao qual foi adaptado um tampo de vidro. E as cadeiras de cabedal são da Área Store. A mesa de bar é de família e o candeeiro suspenso, adquirido numa loja de antiguidades, sobressai na parede pintada de dourado. Sim… Um tom ambíguo, mas tão eficiente na concretização de um ambiente ligeiramente boémio!!

A dois passos estão as áreas húmidas da casa: cozinha e casa de banho. A primeira mantém intacto o pavimento original, em mosaico hidráulico, e as paredes são revestidas por mosaicos cinza da Margrés a imitar o betão (iguais aos da casa de banho). Os armários foram todos substituídos e a chaminé permanece como elemento diferenciador. Em termos decorativos há a assinalar a mesa, cujos pés são art deco, aos quais foi adicionado um tampo de madeira Ikea para cumprir a funcionalidade da divisão.

Mas desengane-se se pensa que a originalidade ficou reservada às zonas comuns da casa. É na divisão mais reservada do apartamento que encontramos outro dos elementos mais surpreendentes: o cacifo, que em tempos serviu os utentes do Ginásio Clube Português, vive os seus derradeiros anos neste quarto mais sossegado.

O preto é a cor (ou ausência dela) que marca o ambiente deste quarto e, para uma melhor conjugação, também a cómoda foi pintada de preto. O roupeiro antigo foi recuperado e forrado com tecido escocês, para um ar mais masculino, e as mesinhas de cabeceira são antigas colunas de som. As cadeiras de estilo industrial foram resgatadas de uma sucata alentejana – pertenceram a uma escola da localidade. Tudo o resto são elementos decorativos, como a raquete de ténis, os óculos de aviador ou as fotografias dos cães de família.

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