Por a 4 Novembro 2025

Reconstruída para um casal britânico que decidiu começar um novo capítulo da vida em Girona, esta casa – antes uma ruína – foi erigida reinterpretando a tradição e acrescentado apenas o necessário.

Projeto: Fran Silvestre Arquitetos / Fotografias: Fernando Guerra / segundo memória descritiva

“Este projecto nasceu primeiro da compreensão e depois de uma intervenção apenas onde era necessário”, lemos na memória descritiva que acompanha este projeto, assinado por Fran Silvestre. Situado no coração do Serrat de la Cadalt, o desafio consistiu em atualizar uma quinta abandonada e adaptá-la às necessidades contemporâneas. Através de uma tradição reinterpretada, preservaram-se o volume e a tipologia originais, transformando apenas o essencial. A escala dos espaços existentes foi respeitada, atribuindo a cada um um papel específico no novo programa. Os novos habitantes deixaram a sua vida em Londres para começar um novo capítulo em Girona — rodeados de árvores, calma e luz. 

No piso de entrada encontram-se a cozinha — que integra a tripla altura da torre existente — e a sala de estar, orientada para as vistas da Serra de la Cadalt. No piso superior foram dispostos dois quartos, enquanto o piso inferior reinterpreta o antigo espaço destinado aos animais como uma sala polivalente. O volume adjacente, outrora usado para guardar alfaias agrícolas, foi reconvertido em garagem, com um estúdio no piso superior onde o designer Terence Woodgate trabalha atualmente.

O sistema construtivo tradicional destas quintas de Girona, comum em toda a região do Empordà, baseia-se em paredes mestras de alvenaria irregular de calcário ligadas com argamassa de cal. Os cantos, lintéis e ombreiras eram executados com blocos de cantaria cuidadosamente talhados, conferindo precisão estrutural e estabilidade ao conjunto. No interior, as paredes eram geralmente revestidas com um reboco de cal e areia, rematado com uma camada de cal apagada. Este acabamento facilitava a limpeza e, sobretudo, aumentava a luminosidade dos espaços interiores. Na intervenção atual, depois de reconstruir e reparar as paredes mestras de pedra calcária, acrescentou-se uma camada de isolamento térmico à base de cortiça, garantindo um melhor desempenho energético. No interior, criou-se uma segunda pele para aumentar a luminosidade, melhorar as condições de manutenção e integrar discretamente todos os sistemas necessários à vida contemporânea. O pavimento em calcário assegura a coerência material em todo o projeto.

O interior foi pensado como um espaço suspenso entre a arquitectura e o design de produto. Nesse sentido, as tomadas elétricas estão embutidas nas paredes, os elementos construtivos encontram-se num único ponto e cada decisão procurou ser honesta em relação à época em que a intervenção foi realizada — estabelecendo um diálogo preciso entre o existente e o contemporâneo.

A casa é totalmente autossuficiente em termos de energia e água. Graças à instalação de painéis fotovoltaicos com baterias e a um sistema de cisternas desenhadas à medida, a habitação alcança um elevado grau de autonomia. Uma das cisternas foi transformada numa piscina para mergulhos refrescantes. Os hectares de terreno envolvente, alguns deles cultivados, produzem mais do que alimento suficiente para satisfazer as necessidades do casal britânico que habita a quinta.

“Diz-se muitas vezes que, quando alguém começa um trabalho criativo, os amigos e inimigos, a família, as memórias, os medos e os desejos estão todos presentes no estúdio. Mas, se se der o tempo necessário, todos acabam por sair e, com sorte, no fim, o próprio eu desaparece também. Gostamos de pensar que este projecto foi desenvolvido com essa mesma atitude: com a naturalidade de restaurar as peças danificadas e acrescentar apenas as que faltavam”, sublinha o arquiteto.