Assinado pelo arquiteto João Mansur, o projeto de interiores desta casa é um manifesto estético. Entre climas clássicos e gestos contemporâneos, celebra o colecionismo como linguagem e o design como expressão da alma. Um verdadeiro oásis de cultura e beleza no coração do lar.
Design de Interiores: João Mansur / Fotografias: Keniche Santos / Texto: Isabel Pilar de Figueiredo
Sofisticação e personalidade resumem os interiores desta residência com cerca de 1800 m². O retrato fiel da harmonia entre arquitetura clássica e interiores cosmopolitas. Situada no entorno de um exuberante jardim com paisagismo de Maria João D’Orey, a sua estrutura, assinada por Andre Calil, privilegia a simetria, os arcos imponentes e os pés-direitos generosos — características de uma estética que remete para o neoclássico, mas que se reinventa em diálogo com o presente.


A decoração, criada pelo arquiteto João Mansur, apresenta uma atmosfera eclética e internacional, onde o clássico e o contemporâneo coexistem em equilíbrio, na paleta de cores e na seleção de mobiliário e arte. Os proprietários, apaixonados por arte e grandes colecionadores, reuniram ao longo dos anos um acervo notável que inclui porcelanas chinesas, opalinas francesas, arte contemporânea e peças étnicas, distribuídos em curadorias pontuais e poéticas pelos ambientes da casa.


À entrada, destaque para o par de cómodas em laca negra com chinoiserie francesa do século XIX, que ladeia a porta social em ferro batido. Espelhos barrocos italianos do século XVIII e vasos Powder Blue chineses articulam-se com cadeiras estilo Luís XVI estofadas em tecido Pierre Frey. Junto à escada, uma tapeçaria alemã Bauhaus (1920) e um guache de Sonia Delaunay (1916) dividem espaço com um relicário português, a porcelana Imari japonesa e obras de Miró e Fernand Léger, iluminados por um imponente lustre de murano italiano.



O living, nas suas diversas perspectivas, revela o domínio de Mansur no jogo entre proporção e emoção. Sofás ‘vis-à-vis’ em veludos belgas e franceses, em tons que vão do verde e açafrão ao ‘rouge de fer’ e grafite, dialogam com a poltronas Luís XV e as banquetas Regency. A mesa Maison Jansen (Paris,1960), com laca preta e detalhes em ouro, recebe vasos multicoloridos de Val-Saint-Lambert. Uma cómoda inglesa do século XVIII serve de bar sob um quadro de Picasso; os aparadores em acrílico exibem opalinas francesas. Nas paredes, obras assinadas por Sonia Delaunay, Miró, Keith Haring, Lichtenstein, Calder e David Chihuly compõem uma verdadeira galeria doméstica. O tapete oriental “reloaded” completa o cenário com irreverência sutil.

No ambiente de jantar, a tapeçaria Aubusson do século XVII estabelece o tom da composição — mesa e cadeiras clássicas, lustres italianos em murano (1940) e arandelas francesas Baguès. Sobre a mesa, marrecos da Companhia das Índias do século XVIII são apresentados como esculturas em caixas de acrílico. Nas paredes, retratos ancestrais chineses e uma impactante obra de Damien Hirst, “The Last Supper”, adicionam profundidade histórica e contemporânea. Uma coleção de porcelanas Imari japonesas do século XIX enriquece o ambiente com exuberância cromática e preciosismo artesanal.


O lavabo expressa o equilíbrio entre elegância e exotismo, com papel de parede Braquenié e um móvel chinês em laca preta transformado em lavatório. Lustre, espelho e arandelas francesas, além de uma cortina de linho azul, pontuam a sofisticação discreta do espaço. Na biblioteca, ambiente reservado e acolhedor, a madeira das estantes, a parede revestida em camurça e o sofá em couro criam um refúgio de introspeção. Fotografias a preto e branco de Pierre Berger e arandelas império francesas do século XIX complementam o lugar de contemplação silenciosa.


A área gourmet aposta em contrastes vivos: o papel de parede Braquenié e os acabamentos em laca laranja dialogam com cadeiras Queen Anne em laca preta e uma lanterna marroquina. Na sala de degustação e adega, o tom rústico-chique é revelado nas cadeiras ‘club’ em couro desconstruído, no tambor chinês usado como mesa de bebidas, na lanterna oriental e nas paredes em linho natural.

Os jardins e espaços de transição reforçam a proposta de continuidade visual e sensorial: o jardim de inverno e o espaço de pequenos-almoços são pontuados por mobiliário chinês em madeira lacada preta com latão dos anos 1930, uma mesa balinesa e objetos étnicos. O teto azul e branco dialoga com lustres em madeira bicolor, enquanto o mirante ao ar livre combina treliças, espelhos, palmeiras em vasos vietnamitas e uma mesa de faiança italiana com base em ferro — composição perfeita para o relaxamento e a contemplação sem pressas.




A sala de TV, por sua vez, adota um tom mais informal e acolhedor, com sofá em L revestido em linho, poltronas Berger, tapete oriental “reloaded” e um mix de peças étnicas que reforçam a linguagem plural do projeto. Mais do que uma morada, a casa assinada por João Mansur é um manifesto estético. Entre climas clássicos e gestos contemporâneos, celebra o colecionismo como linguagem e o design como expressão da alma. Um verdadeiro oásis de cultura e beleza no coração do lar.