Por a 30 Setembro 2025

No coração da Póvoa de Varzim, um edifício dos anos 30 renasce reabilitado e ampliado, transformado em quatro núcleos familiares independentes, numa intervenção que equilibra tradição, modernidade e vida coletiva.

Projeto: Urbanpolis / Fotografias: Ivo Tavares Studio / segundo memória descritiva

Chama-se Edifício FS11 e representa uma reinterpretação contemporânea da herança construtiva e do património poveiro da habitação existente, num gesto de continuidade entre o tempo, a memória e a vivência atual. Localizado no centro histórico da Póvoa de Varzim, este edifício dos anos 30 – ampliado pela primeira vez em 1947 – é agora reabilitado e ampliado com o objetivo de acolher os quatro núcleos de uma mesma família, com profundas ligações à arquitetura, engenharia e construção.

Mais do que um projeto de habitação multifamiliar, esta obra teve de responder a um desafio delicado: criar quatro habitações isoladas entre si – com entradas independentes, privacidade e autonomia – que simultaneamente permitissem um sentido de pertença coletiva e de preservação dos laços familiares num contexto de vida moderna, muitas vezes fragmentado.

Esta tensão entre o individual e o coletivo é o fio condutor do projeto, resolvida através de uma composição volumétrica clara: o edifício original acolhe dois apartamentos com entrada comum; as novas moradias — com três pisos cada — têm entradas independentes; e o rés do chão articula-se como espaço exterior partilhado, com um salão de uso coletivo, funcionando como ponto de encontro da comunidade familiar.

A fachada principal preserva a métrica original dos vãos, uma regra construtiva executada na casa com mais de 70 anos que permite o equilíbrio entre luz natural e privacidade, dando-lhe uma nova voz e adaptando-se à vivência urbana. A caixa de escadas — marcada por um plano envidraçado — funciona como costura entre o antigo e o novo, articulando materialidades distintas e revelando a transição temporal da intervenção. Na fachada lateral, voltada para a Travessa Elias Garcia, a regra é quebrada, uma exceção que celebra a singularidade: o corte diagonal provoca uma rutura intencional no ritmo dos vãos, iluminando melhor os interiores e conferindo identidade própria à volumetria.

A fachada posterior, voltada para o interior do quarteirão, abre-se com generosidade. Aqui, grandes vãos e varandas ampliam os espaços sociais para o exterior, assegurando luz, ventilação cruzada e uma vivência mais solar. Nos apartamentos inseridos na estrutura reabilitada, os espaços íntimos (quartos e suíte) permanecem na parte histórica, enquanto as zonas sociais se expandem para o volume novo, otimizando a orientação solar. A cozinha, em continuidade visual com a sala, estabelece um coração comum na vivência quotidiana.

Na cobertura, a “penthouse” recupera o espírito do sótão habitado — previamente existente — agora reinterpretado com conforto térmico e luz natural, graças a claraboias estrategicamente posicionadas. As divisórias móveis permitem a permeabilidade dos espaços, alternando entre uma vivência em open space ou uma configuração compartimentada, adaptável ao quotidiano.

As moradias, com três pisos, assumem uma inversão funcional que favorece o conforto térmico e solar: os espaços privados localizam-se no piso intermédio, enquanto a zona social ocupa o último piso, onde a luz é mais abundante e a relação com o exterior mais intensa.

O Edifício FS11 é, acima de tudo, uma celebração da arquitetura como mediadora entre gerações, tempos e modos de vida. Um gesto de reabilitação que respeita o passado sem medo de o reinterpretar. Um projeto onde a sigla poveira da família simboliza aquilo que o edifício expressa em cada detalhe: uma casa com raízes no território, mas voltada para o futuro.