Por a 16 Setembro 2025

Há casas que se escolhem e outras que, de forma quase mágica, nos escolhem a nós. Foi exatamente assim que este apartamento nas Avenidas Novas se revelou — não apenas como uma resposta a uma procura, mas como um reencontro com uma história já em andamento, à espera de ser retomada. 

Projeto de arquitetura: Manuel Tojal / Fotografias: Francisco Nogueira / Texto: Isabel Pilar de Figueiredo

Durante os dias silenciosos da pandemia, um casal sem filhos decidiu transformar a sua inquietação em descoberta. Aquilo que começou como um hobbie — visitar casas com charme e caráter — rapidamente se tornou um projeto de vida.

A busca por uma casa que conjugasse história, arquitetura e luz levou-os a este apartamento dos anos 30, antiga residência da família do escritor Ferreira de Castro. Ao cruzarem a porta, sentiram que entravam não apenas num espaço físico, mas num capítulo suspenso de um romance português. O tempo parecia ter parado, os detalhes arquitetónicos sussurravam segredos de décadas passadas. Ali, encontraram alma. 

“Percebemos logo o enorme potencial que a casa encerrava, mesmo no seu estado original. Queríamos reabilitar o espaço com todo o conforto contemporâneo, mas sem perder a sua identidade, o seu caráter e a história que se respira em cada canto. Um de nós sonhava com uma biblioteca onde pudesse guardar a sua coleção de livros, enquanto o outro idealizava uma varanda virada para Lisboa”, contam. 

A casa tinha já um enredo bem delineado — cabia-lhes apenas habitá-lo. Elementos como o soalho de parquet, os tetos estucados e a pedra de lioz tornaram-se pilares intocáveis da intervenção. Mas a narrativa ganharia novos contornos com os sonhos de cada um: uma varanda que observasse Lisboa, uma biblioteca que acolhesse décadas de vida nómada e livros colecionados entre continentes. 

A escolha do arquiteto foi, também ela, parte dessa sintonia narrativa. Entre quatro propostas, foi Manuel Tojal quem captou o espírito da casa e dos moradores. “Para nós, era essencial encontrar uma equipa que não só entendesse o que queríamos, mas que também nos inspirasse e nos desse asas para concretizar os nossos sonhos”. E prosseguem: “Partilhávamos a mesma nostalgia pelas Avenidas Novas, e a sua abordagem delicada, empática e entusiástica tornou-se a chave para o sucesso do projeto. Desde o início, adorámos trabalhar com o Manuel — foi uma parceria fundamental. Ele entendeu que não procurávamos apenas uma casa, mas um lugar com uma narrativa que pedia para continuar a ser contada”. 

 A intervenção arquitetónica respeitou as premissas essenciais: preservar os materiais nobres, amplificar a luz natural e criar espaços que respirassem afeto. A paleta cromática encontrou no terracota o seu tom de voz — uma cor quente, discreta, profundamente enraizada no espírito do lugar. Ao invés de competir com a luz lisboeta, funde-se com ela, revelando a casa em diferentes humores ao longo do dia. 

Entre Nairobi e Lisboa, o apartamento serve como ponto de encontro, refúgio e celebração. A biblioteca tornou-se um santuário pessoal, onde livros que atravessaram oceanos finalmente encontraram pouso. E na ampla sala de jantar, as histórias continuam a ser partilhadas: à mesa, entre amigos e família, como num romance a várias vozes. 

Situada entre marcos emblemáticos da cidade, a Avenida da Liberdade, o antigo edifício do Diário de Notícias, a igreja do Sagrado Coração de Jesus, esta casa é testemunho de um momento-chave da história urbana de Lisboa, quando o tabique cede lugar à modernidade da construção em placa. “Mais do que a localização, a luz natural que entra na casa é fundamental. Lisboa oferece uma luminosidade única que atravessa os espaços, marcando o ritmo dos dias e tornando o ambiente vivo e acolhedor. É essa luz que parece continuar a escrever, de forma silenciosa, a história desta casa. 

No fim de contas, este apartamento é mais do que um lugar para estar. É um espaço para recordar, para projetar, para continuar. Um romance habitado, onde cada divisão conta um capítulo e cada detalhe, um verso.