Por a 7 Setembro 2023

Com ótimas áreas, espaços bem distribuídos e iluminados, o projeto incide fundamentalmente na adaptação do existente aos novos usos contemporâneos, preservando os valores de identidade e de memória ainda presentes no apartamento.

Projeto: NMD Arquitectos / Fotografia: Ivo Tavares Studio / segundo a memória descritiva

Localizado numa das principais artérias da cidade de Lisboa, a Avenida Almirante Reis, o apartamento faz parte integrante de um edifício construído nos anos 40 do século XX da autoria do arquiteto Manuel Norte Junior (1878 -1962), cujas obras são facilmente identificáveis pela introdução de elementos decorativos de inspiração Arte Nova – tendo sido, inclusive, distinguido em diversas obras na cidade de Lisboa com o Prémio Valmor.

O edifício em questão, uma das últimas obras do arquiteto, é criado já numa altura em que Norte Júnior procura afastar-se do ecletismo com que era conhecido, mantendo, de certa forma, o seu cunho perante um modernismo emergente. Tal está bem presente, quer no edifício quer nos apartamentos.

No caso deste apartamento, apesar de ter sido alvo de intervenções ao longo do tempo, foram preservados alguns elementos decorativos da altura, tais como os tetos trabalhados nas zonas sociais.

Com ótimas áreas, espaços bem distribuídos e iluminados, o projeto incide fundamentalmente na adaptação do existente aos novos usos contemporâneos, preservando os valores de identidade e de memória ainda presentes no apartamento.

Com dois acessos independentes, um principal e outro de serviço com acesso direto à cozinha, a proposta visa manter os acessos e a sua hierarquia espacial, sendo proposto a introdução de um pequeno vestíbulo na entrada principal, a alteração da zona da cozinha e a transformação do apartamento para apenas dois quartos – um deles, o quarto principal, composto por um espaço amplo de zona de vestir e por um pequeno escritório.

O projeto mantém a localização dos espaços sociais existentes preservando as suas dimensões e, por conseguinte, os seus tetos.

A não existência de um vestíbulo no apartamento, cujo acesso era imediatamente precedido do corredor de circulação, gerou um desafio para a introdução dessa área num espaço de pequenas dimensões sem luz natural, o que foi parcialmente conseguido através da “semi-abertura”, do vestíbulo à biblioteca, áreas separadas por um móvel bancada e uma lâmina suspensa em espelho.

O vestíbulo marca o primeiro momento de entrada no apartamento, permite a ligação ao interior através de duas grandes portas: a deslizante, que dá acesso a uma saleta, e outra, de pivot, que se abre para o extenso corredor dando acesso aos demais compartimentos.

O corredor é caraterizado pela reinterpretação do seu lambril, composto por friso horizontal e por um canelado vertical em madeira lacada à cor branca, apontamento que é, inclusive, identificado no espaço de vestíbulo.

O percorrer do corredor permite o acesso às salas de estar e jantar, comunicantes entre si e entre a saleta e biblioteca, todos eles diferentes entre si pelos seus tetos trabalhados.

Através do corredor acede-se também à cozinha, alvo de uma profunda transformação, tornando-a mais funcional e adaptada às novas exigências, destacando-se pela morfologia da sua ilha e pela sua projeção no teto dando forma à iluminação. Aqui, destaca-se também o revestimento em mosaico cerâmico tridimensional colorido.

A cozinha é ainda composta pela sua ampla marquise através da qual se acede ao quarto da empregada e à área de tratamento de roupa.

Por fim, a zona mais privativa do apartamento, que é composta por dois quartos e uma instalação sanitária de apoio a um dos quartos.

Um deles, considerado o principal, é composto por um pequeno corredor de circulação que separa a zona vestir da zona de dormir, esta última não apenas caracterizada pelo seu teto, mas também pela parede da cabeceira da cama, composta por elementos verticais de madeira de nogueira pela qual também se faz a iluminação do quarto. Será a partir da zona de vestir que se tem acesso ao pequeno escritório e à instalação sanitária privativa.

A transformação destes últimos espaços (cozinha e quarto principal) exigiram uma maior intervenção, tendo sido necessário garantir a integridade estrutural do edifício, adotando uma solução de reforço estrutural em estrutura de aço devidamente articulada com a construção existente, constituída por lajes em estrutura de madeira, paredes interiores em tijolo de barro maciço e paredes exteriores em alvenaria de pedra.

Relativamente à materialidade, conseguiu-se recuperar praticamente todo o pavimento de madeira existente, sendo substituído o pavimento das zonas húmidas, tal como a cozinha e instalações sanitárias, por estarem bastante danificados. Alguns elementos de madeira existentes, tais como portas, rodapés e outros, foram parcialmente recuperados e/ou substituídos por réplicas com o intuito de salvaguardar o valor patrimonial do espaço.

Os novos materiais e elementos introduzidos harmonizam-se com o existente, claramente identificados no seu tempo, e destacam-se conferindo valor estético e funcional ao conjunto da proposta, como o caso do lambril, cujo desenho canelado se repercute na ilha da cozinha e no revestimento cerâmico artesanal exclusivamente desenhado para o efeito.

A proposta de iluminação, na sua maioria de difusão indireta, surge em determinados espaços como a principal protagonista, mas noutros assume-se claramente como auxílio no destaque de algumas peças ou elementos decorativos.

Além da preservação de elementos presentes no apartamento, houve também a necessidade de salvaguardar a existência de algum mobiliário e peças decorativas que os proprietários tinham em sua posse e que desejariam manter. Esse facto revelou-se um auxílio no desenvolvimento do projeto, procurando-se espaços específicos para a localização de tais objetos, tornando-os parte do conjunto arquitetónico.

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