Uma casa ensolarada, uma coleção de arte singular e uma sensibilidade especial de quem aqui habita, hábil nas suas escolhas e gentil com o passado.
Fotografia: Ana Paula Carvalho / Produção: Amparo Santa-Clara / Texto: Isabel Figueiredo
Remodelado em 2020, o apartamento faz parte de um edifício construído em 1910 e combina características do final do século dezanove e elementos Arte Nova. Com uma localização privilegiada, na zona do Marquês e da Avenida da Liberdade, em Lisboa, o edifício está na posse da mesma família desde a data da sua construção. O casal que o habita, teve em consideração a traça e os detalhes arquitectónicos que o dotam de um charme tão especial, preservando, sempre que possível, adaptando, melhorando, sem prejuízo do preexistente.
“Este apartamento foi, durante anos, um cartório público tendo sido em parte descaracterizado para cumprir essas funções”, conta-nos o seu proprietário. “No processo desta remodelação”, prossegue, “tentámos recuperar e trazer para a atualidade as características perdidas de um apartamento do início do século vinte”.
Não sendo arquiteto de formação, a sua sensibilidade e conhecimento afiguraram-se de extrema importância no que diz respeito tanto à arquitetura de interiores quanto à decoração da casa. Algo que não é nem uma estreia nem de estranhar, graças à experiência obtida, e de enorme sucesso e prestígio, com dois projetos turísticos em Portugal.
Não fora já a sua localização central, mesmo no coração da cidade, o apartamento goza de várias entradas de luz direta, o que para além de evidenciar as características originais e acentuar as cores e texturas dos materiais de base — caso do bonito chão de madeira em tábua corrida, dos ornamentos que emolduram as portas e janelas, dos tetos trabalhados… —, deixa o sol entrar banhando as salas e quartos com luminosidade tão balsâmica quanto desejável, sobretudo numa casa que se estende até aos 180 metros quadrados de área útil.
O que não foi possível recuperar foi substituído por soluções em linha com a notável arquitetura do construído. Referimo-nos, por exemplo, ao revestimento do chão da cozinha, um mosaico hidráulico vintage, oriundo de uma demolição, adquirido para o efeito, harmoniosamente combinado com os detalhes em pedra da chaminé.
Dividida em sala, biblioteca, casa de jantar, cozinha com zona de refeições, lavandaria e um quarto, além de duas casas de banho, uma delas social, a casa é ainda um reflexo, observado um pouco em todas as divisões, do gosto pelas várias formas de arte de quem ali habita.
“O que mais se destaca na casa é a coleção de arte portuguesa contemporânea”, mas também há lugar para a fotografia, para a cerâmica, para as peças de família…, salienta o nosso interlocutor. O quarto, por exemplo, exibe uma cadeira indo-portuguesa do século dezoito e a cómoda Deco, portuguesa, em raiz de nogueira, datada de 1940; na sala, por seu turno, convivem uma mesa sueca da década de 1950, comprada há uns anos em Marvila e as cadeiras de barbearia pretas (1960), para referir algumas; na biblioteca, partilham o espaço a daybed (“para muitas leituras”) e uma fotografia de Márcio Vilela (série ‘night shot’), e além da cama de ferro francesa do século dezanove ou da serigrafia de Almada Negreiros, a seleção de obras de artistas renomados e de muitas peças a distinguir é grande e eclética quanto baste.
Espaço e luz, e uma personalidade especial, dotam ainda esta casa de uma energia boa, daquelas que nos convida a entrar e a ficar. Aqui, diríamos, estamos em boas mãos