A casa de Duarte Seabra, o dono da loja Farnesina, em Lisboa, é um reflexo da forma como tão habilmente entrelaça estilos e épocas, da sua visão e apurado sentido estético.
Fotografia: José Manuel Ferrão / Produção: Amparo Santa-Clara / Texto: Isabel Figueiredo
Vive neste apartamento há três anos, na companhia da fiel Quitéria, uma cadela de porte elegante que se passeia por entre peças de arte, escultura e mobiliário de época com uma graciosidade muito própria. É a Quitéria que nos recebe à porta e é ela que se apropria do sofá verde adamascado, no quarto, observando-nos sem pressão, mas com a pose de um ‘statement’. Esta casa também é sua e ela sabe contornar cada peça de mobiliário com destreza – menos uma preocupação para o seu dono.
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Foi necessária uma espera de um ano e meio até Duarte e Quitéria se instalarem na casa, uma herança de família. As obras de remodelação e reorganização dos espaços, o novo layout, obedeceram a um trabalho intensivo. Mas o resultado é hoje este, o de uma casa acolhedora e luminosa, preparada para estar e receber, onde cada espaço conta uma história diferente, cada um atuando como um cenário onde se combinam peças de várias proveniências, cores, texturas e volumes.
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“Sou muito caseiro: passo muito tempo em casa, principalmente na sala dos livros”, conta-nos Duarte. “Adoro receber, gosto muito de dar jantares”, como tal o apartamento haveria que refletir tanto o seu sentido estético e habilidade para a conjugação de mobiliário e objetos, como assegurar a funcionalidade e o conforto necessários para quem prefere estar em casa e gosta de rodear-se de amigos.
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Hoje, feitas as obras, apenas os tetos estucados e o chão são originais (dos anos 30). “Trata-se de uma casa típica desta zona da cidade, uma casa dos anos 30, que nunca havia sido alvo de trabalhos de melhoramento. A cozinha ainda era em mármore e as divisões eram numerosas, mas pequenas e já não correspondiam aos tempos atuais e, sobretudo, ao meu estilo de vida. Além disso, esta compartimentação deixava a casa mais escura”. Com o processo de remodelação, o T6 original passou a um T1 + 1 “cheio de luz” e além do novo layout, os acabamentos contribuíram para uma modernização sem prejuízo da sua arquitetura.
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“A casa-de-banho em ‘boiserie’ preta, a iluminação no chão, as estantes para livros embutidas nas paredes, os rodapés, os bronzes das portas…”, são várias as adições e substituições que conferem hoje tanto encantado a este apartamento, único e luminoso e tão espaçoso quanto possível. Os interiores revelam sensibilidade e conhecimento, criatividade e bom gosto do seu proprietário e dotam-no de um quê de teatral. Algumas das soluções encontradas indiciam uma noção muito apurada de casar tantas peças todas tão distintas, curiosas, raras ou bonitas.
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“Não sou grande fã de corredores, por isso diminuí a sua extensão com uma estante. Na sala grande, coloquei umas portas lacadas a verde ouro, pela mão do Louro de Almeida, o autor da pintura da escadaria do salão nobre do hotel Ritz (em frente ao prédio), o que ajudou a dar a necessária privacidade à sala dos livros. Visto que o quarto é muito grande e tem imensa luz, decidi fazer um espaço de banho aberto, integrado, junto às janelas”.
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Neste palco, nem tudo o que ali vemos é permanente. Muitas peças são rotativas, dada a profissão de Duarte, e a sua ligação à loja Farnesina. “Só mesmo aquelas especiais, às quais tenho uma ligação, ficam. Nesta casa, estas peças misturam-se, convivem, entram e saem. Muitas foram compradas por mim, sobretudo as obras dos artistas contemporâneos, outras foram herdadas”, explica.
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São várias as qualidades que Duarte aponta ao seu lar: “A proximidade com a minha loja – venho almoçar quase todos os dias a casa -, o parque Eduardo VII a dois passos, mas também a luz natural, que é fabulosa, o meu quarto, que antes teria sido a casa de jantar, igualmente banhado por uma luz linda. E as salas da frente, que recebem luz direta durante todo o dia”. Gosta de tudo o que ali habita.
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“Adoro a sala dos livros – os livros são uma boa companhia -, gosto muito da casa de jantar, porque é ali que me reúno com os meus amigos, e é ali que fico com eles, durante horas, à mesa…”. Nada aqui é definitivo, e também isso faz parte do charme do lugar. Mas é definitivamente o seu porto seguro na grande cidade. Lá dentro, há muitas razões para permanecer, por horas a fio, na melhor companhia possível.