Por a 23 Setembro 2020

Fotografias: Revista Urbana I Texto: Mafalda Galamas

Não sendo muito grande, a Lapa concentra em si pedaços do mundo inteiro. Não fosse uma das localidades mais requisitadas para o estabelecimento de dezenas de embaixadas dos países estrangeiros existentes em Portugal… Coincidência ou não, o resultado final da casa que partilhamos, e que em termos de decoração teve o apoio de Pedro Espírito Santo, do atelier Conceitos de Arte, é, também, um reflexo do mundo. As viagens, origens e experiências de vida dos proprietários deste apartamento estão bem espelhadas em cada uma das divisões. Não deixando, porém, que o brilho da nossa portugalidade perca força ou esplendor. Os tetos altos e trabalhados, as rosetas de teto, ou a azulejaria pombalina, são alguns (bons) exemplos.

A construção do final do século XIX mantém uma fachada exemplar, e os cerca de 150 m2 no interior estão bem cuidados, não obrigando, assim, a grandes obras de remodelação por parte dos atuais proprietários. Do corredor que nos acolhe, podemos sentir as tábuas de madeira corrida que nos acompanharão por toda a casa. É, também, daqui que vislumbramos a sala, através de uma treliça personalizada que permite a entrada de sol, enquanto garante, em simultâneo, alguma privacidade.

Já na sala de estar, apercebemo-nos das influências de outras terras, do antigo tapete marroquino, aos quadros: o cocar (de tribos indígenas) que veio do Brasil é agora um deles. Disputa a atenção com os restantes, herdados aqui e acolá… Nestas paredes, encontramos referências artísticas de Maria Helena Vieira da Silva, Manuel Cargaleiro, Ana Maria Botelho, Helena de Sá ou Luís Homem de Melo.

O sofá amarelo “mostarda” foi uma aposta da proprietária, cansada dos tons escuros. As almofadas que o acompanham foram trazidas do México e combinam com a banqueta. Mas os têxteis étnicos não se ficam por aqui, como o comprova o sofá preto, centenário, salpicado de cor com tecidos vindos da Índia.

Ao fundo, o banco corrido de madeira é dos anos 80, e “nasceu” no Brasil. Atravessou o Atlântico e agora dá guarida a tantos outros objetos de família, do candeeiro às molduras, ou peças decorativas. Destaque ainda para a bola modernista dos anos 70 que é, na realidade, um candeeiro, assente na mesinha ligeiramente desviada da janela e que foi desenhada pelo pai (arquiteto) da anfitriã, e para o tabuleiro charão (preto), a fazer as vezes de mesinha de apoio. É pintado e tem embutidos em madrepérola. Os varões e cortinas que aquecem a divisão são de Mónica Penaguião, da Poeira Design.

As salas têm ligação entre si. Ao passarmos para a zona de jantar vemos um imponente lustre feito em folha dourada. Ilumina a mesa, redonda, dos anos 60, que repousa sobre o tapete turco.

As cadeiras são clássicas e, inesperadamente, combinam com as estantes pretas e fuschia. Foram desenhadas por Pedro Espírito Santo e representam mais um tom improvável nesta paleta, que de monótona não tem nada! Como pode, até, comprovar-se pelo pormenor que esconde a janela junto ao linho branco: uma tira dicat originária da Turquia.

Damos uns passos nos tapetes block print vindos de Jaipur, na Índia, e alcançamos a antiga papeleira inglesa da proprietária, herança do pai. É uma peça de antiquário e está enquadrada com o cadeirão de veludo encarnado.

Na zona mais reservada da casa, o quarto, continua presente a mistura de estilos. Do contemporâneo das mesinhas e cabeceira de cama, ao mais clássico como as cómodas – uma delas com embutidos de marfim. Acima desta, vemos um espelho de antiquário, ao qual foi retirada a original cor garrida, sobressaindo apenas o tom cru do gesso.

As influências da Índia, ou do México, mantêm-se. As almofadas sobre a cama foram, à semelhança das da sala, adquiridas em Chiapas, no México, onde é comum encontrar este tipo de bordados. E a manta em caxemira veio da Índia, assim como os tapetes em algodão, de Jaipur, ou as passadeiras do closet.

Da casa de banho, em tons de preto e branco, destaca-se a banheira, de origem, e que foi pintada de verde, tal como um dos degraus, de forma a alegrar um pouco mais o espaço. Os quadros e aguarelas reforçam a ideia de que as instalações sanitárias e cozinhas já não são os espaços frios e sem graça de outrora.

Ao canto da casa, a divisão mais deliciosa de todas, não fosse da cozinha que saíssem as melhores iguarias… Aqui, os azulejos pombalinos são de origem, assim como o armário de canto, com bancada de madeira. Os restantes foram feitos por medida. Destacam-se sobretudo os pormenores decorativos, como a andorinha Bordallo Pinheiro ou o gancho de talho servindo de arrumação aos utensílios.

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