Fotografia: José Manuel Ferrão
Texto: Marta Lucena
Cómodas antigas e mesas rústicas, quadros solenes e caveiras, coisas partidas e rotas, cadeiras e castiçais, muita pintura por todo o lado…… caos ou tendência?
Pouco convencional é o mínimo que se pode dizer deste andar que também funciona como atelier, num prédio de azulejos e numa zona cheia de vida em plena Lisboa. Sofia Aguiar e Tomás Colaço, são dois artistas pintores que apesar de passarem a vida de um lado para o outro, fizeram aqui o seu poiso há 12 anos. De vez em quando estão em Tânger, já viveram em Paris e no Rio de Janeiro, onde segundo eles, dividiam com outros artistas um atelier numa antiga fábrica de chocolates espectacular.
São verdadeiros nómadas. Quando se mudaram para este seu pequeno mundo, fizeram algumas mudanças porque “era tudo muito escuro e fechado, as paredes tinham cores fortes como amarelo e verde, e existiam móveis a mais. Uns bons, outros maus, outros mais ou menos. Guardámos alguns, saíram outros e ainda entraram os que comprámos. Tirámos até algumas portas para deixar entrar a luz. Haviam imensos papeis, arquivos, tralhas. Mudámos toda a electricidade e pintámos tudo de branco. Em certas paredes deixámos os frescos originais que descobrimos debaixo das várias camadas de tinta. Mas manter todas as paredes com frescos, quando pintamos e trabalhamos em casa, pensámos que seria informação a mais que acaba por distrair”.
A Sofia gosta sobretudo da circulação da casa. Por todo o lado o chão é de madeira antiga, tábua corrida com todo o passar dos anos bem estampado. Range e parece falar com quem lá vive. Não é uma casa que se descreva facilmente em termos de decoração. Mas é muito fácil dizer o quanto este espaço é realmente vivido e cheio de personalidade e de pormenores, onde as centenas de coisas convivem de forma nada estruturada. Duas cabeças nada convencionais gostam de mudar constantemente tudo o que têm em casa, de uma divisão para a outra, sem rigidez ou preconceitos. Cómodas e mesas rústicas, livros, porcelanas Companhia das Índias, quadros, bancos e cadeiras pintados e pufs feitos pelo dono da casa, castiçais, caixas e outros mil objectos provenientes de todos os sítios e épocas, contribuem para uma teatralidade muito própria.
O Tomás estudou arquitectura e a Sofia Ciências Sociais e trabalhou em joalharia. Só depois veio a pintura. No caso da Sofia, gosta de esgotar um tema que ela diz ter a ver com um lado de coleccionador que vem desde criança. Agora pinta exaustivamente insectos e flores. São pequenos quadros com mosquitos, libelinhas, abelhas e aranhas com os quais forra paredes como a da casa de jantar, de onde se tem uma vista desafogada dos prédios vizinhos mas também do Tejo. O Tomás pinta cenários: “gosto de pintar como se fosse um filme. Normalmente é uma pintura que passa a três dimensões e que parte do espaço onde estou, mas também pinto em pequena escala”. Os dois gostam de viver neste emaranhado de divisões e coisas, onde tudo deixa de ser solene “gosto do retrato antigo da avó ao lado do vaso de coentros”.