Assinado por Anne Motta, este apartamento em São Paulo equilibra o ritmo dinâmico da cidade com uma atmosfera de tranquilidade. Desenhado para um colecionador de arte, o resultado é um conjunto de espaços que valorizam a sua coleção particular.
Projeto: Anne Motta Arquitetura de Interiores & Decoração / Fotografias: Miti Sameshima / segundo memória descritiva
Foi entre as constantes idas e voltas entre o Rio e São Paulo, ditadas pela agenda profissional, que um empresário carioca — apaixonado por arte e atento à sua coleção — decidiu criar um ponto de apoio na capital paulista. Se no Rio a sua casa principal respira a luz da cidade, entre ecos coloniais e gestos contemporâneos, em São Paulo a narrativa teria de ser outra: mais urbana, contida e introspectiva. Um apartamento capaz de refletir o ritmo vibrante da metrópole, mas que resguardasse serenidade, silêncio visual e espaço para as obras respirarem.

A procura pelo imóvel ideal culminou num duplex de 200 m² recém-inaugurado no Itaim Bibi — bairro que materializa o lado cosmopolita de São Paulo. Ali, o futuro morador viu a oportunidade de construir um espaço alinhado com o seu estilo de vida essencialista e a sua paixão pelas artes visuais.


Entregue completamente vazio, o apartamento oferecia uma generosa luz natural, graças às grandes janelas que atravessam o pé-direito duplo. Este diálogo direto com o horizonte foi o ponto de partida para um projecto que absorveu a vibração urbana sem abdicar da sensação de refúgio.

Para o desenhar, o empresário confiou na arquiteta Anne Motta, fundadora do estúdio homónimo. A premissa era clara: ambientes integrados, base neutra e atmosfera serena. Preto, branco e cinza funcionariam como moldura sóbria para destacar a arte — a grande protagonista da casa. A continuidade espacial orientou todas as decisões, dos materiais ao mobiliário.
Ao sair do elevador, o visitante encontra um hall que foge ao branco convencional. As superfícies são revestidas em Tresuno, material que remete para o betão moldado e que oferece textura e conforto. O forro repete o acabamento das paredes, iluminado por uma discreta linha de luz embutida. O cimento queimado que percorre toda a área social reforça a unidade. O ambiente funciona como uma espécie de antessala meditativa — um convite para abrandar.


Na zona social, as salas de estar, jantar, TV e a cozinha coexistem num só gesto arquitetónico, banhado por luz natural. De um lado, a fachada envidraçada abre o espaço para a cidade; do outro, painéis contínuos de madeira definem o carácter do ambiente, ocultando portas, arrumações e passagens. A marcenaria, cria continuidade e reforça a sobriedade masculina da proposta.
No extremo do espaço, uma estante em serralheria de aço sustenta a sala de TV. A iluminação embutida na parte posterior desenha um halo que valoriza a coleção de arte — peças de Raul Mourão, Alexander Calder e outros artistas. À noite, apenas a estante permanece acesa, transformando esta área numa galeria particular.

O lavabo, integrado de forma quase invisível entre os painéis, aposta em paredes revestidas a tecido e numa cuba escultórica em travertino cinza. A luz indireta acentua texturas e envolve a obra de Nelson Leirner que ali se destaca.
Um pilar estrutural, generoso e inevitável, foi assumido como elemento expressivo, mantido em betão aparente. Para o integrar, o sofá foi desenhado por medida, em módulos que se articulam na organização das áreas de estar e TV.
A curadoria do mobiliário é contida, mas contundente: a poltrona Paulistano, de Paulo Mendes da Rocha; os bancos Bolinha, de Isabelle de Mari; e uma mesa de centro em madeira do acervo do proprietário. Ao fundo, uma escultura de Beto Gatti instiga o olhar, tensionando as fronteiras entre o real e o virtual.


Na outra extremidade da zona social, cozinha e sala de jantar conversam com harmonia. A cozinha contém eletrodomésticos embutidos e portas mimetizadas que prolongam o painel de madeira. Os puxadores em latão surgem como pequenas joias industriais. A bancada e a ilha central são em mármore Paraná, que combina leveza cromática e robustez. A ilha, ponto de encontro natural da casa, serve tanto refeições rápidas quanto conversas demoradas.


A sala de jantar apresenta a mesa Round, da Folio Living, acompanhada pelas cadeiras Curva, de Zanini de Zanine. Um pendente linear reforça a horizontalidade do espaço, iluminando a tela colorida de Daniel Mullen que cria tensão cromática com a base neutra.
A subida para o mezanino é marcada por um ritmo vertical em placas de madeira, que funcionam também como brises e filtram a luz. À sua frente, um totem assinado por Philippe Starck sustenta a monumental edição SUMO, de Helmut Newton — verdadeira escultura editorial que afirma o olhar colecionador do morador.


No piso superior, a suíte evoca a sofisticação discreta de um boutique hotel. O pavimento em carvalho contrasta com as paredes cinza suave. A cabeceira grafite, com efeito flutuante, integra mesas laterais e desenha continuidade. A roupa de cama em branco e off-white acrescenta leveza; o tapete natural confere aconchego.



Um painel estrategicamente colocado redefine o acesso à casa de banho, que apresenta um layout simétrico, uma bancada em Carrara, iluminação difusa por lona tensionada e um duche inundado de luz natural filtrada. O closet aberto, em estrutura metálica grafite, é leve, funcional e desenhado para organizar sem pesar. No piso inferior, existem ainda dois quartos de hóspedes, acessíveis através de portas mimetizadas

O duplex materializa o modo de vida do seu proprietário: um homem moderno, essencialista, colecionador, que vive entre duas cidades e encontrou aqui um raro ponto de equilíbrio entre o urbano e o íntimo.