Por a 28 Julho 2025

Viver no centro histórico de Lisboa pode ser muito mais do que habitar um edifício antigo — pode ser uma forma de experimentar o passado com o conforto, a leveza e a linguagem estética do presente. É o que acontece no apartamento que mostramos de seguida, um projeto de Andrea Chicharo fotografado por Gui Morelli.

Projeto: Andrea Chicharo / Fotografias: Gui Morelli / Texto: Ana Rita Sevilha

Imagine viver num edifício construído em 1661, no coração de Lisboa. Não é difícil imaginar o peso da história a respirar pelas paredes, certo? Mas a proposta que mostramos aqui vai para além da nostalgia: trata-se de dar uma nova vida ao passado sem o apagar.

Foi precisamente isso que aconteceu no Solar de Santana, no Campo dos Mártires da Pátria. O palacete do século XVII foi convertido em dois edifícios de três andares, com nove apartamentos cada um, todos diferentes em planta e caráter. Num desses apartamentos — com 330 m², três quartos e uma disposição que se desenvolve entre dois pisos —, a arquiteta Andrea Chicharo assinou o projeto de interiores para uma cliente brasileira, combinando autenticidade histórica com um olhar contemporâneo e pessoal.

Um dos detalhes mais marcantes é a preservação dos azulejos originais dos séculos XVII e XVIII, cuidadosamente retirados e redistribuídos pelos novos moradores. “Cada proprietário recebeu um ou dois painéis para usar como quisesse”, explica Andrea. No caso deste apartamento, um desses painéis foi instalado no fundo da sala de estar, ladeado por cerâmica em tons neutros e iluminado de forma a realçar a sua beleza. Abaixo, móveis de apoio com bancadas em vidro funcionam como bar, criando um ponto focal onde história e funcionalidade se cruzam com elegância.

A arquiteta aproveitou a liberdade de ter acompanhado o projeto desde a planta para redefinir o layout da ampla área social e desenhar também o projeto luminotécnico. A estrutura pombalina foi respeitada e o que seria uma lareira no centro da sala foi eliminado, permitindo que a estrutura em madeira servisse agora como divisória visual entre a zona de estar e a de jantar.

À entrada, onde o pé-direito é mais generoso, Andrea organizou a sala principal, deixando a sala de jantar e o home theater para uma área com tetos mais baixos, o que proporciona uma atmosfera mais acolhedora. Três portas envidraçadas abrem-se para pequenas varandas, inundando os espaços de luz natural e destacando uma curadoria de arte brasileira e portuguesa: quadros, esculturas e peças de design ganham protagonismo, sem excessos.

No mezanino encontra-se um escritório, funcional e leve, que reforça a versatilidade da habitação. A mobília segue uma linguagem plural: peças icónicas do design brasileiro e internacional coexistem em equilíbrio, numa seleção criteriosa que reflete o estilo da arquiteta e da cliente. “A mistura de estilos foi pensada ao detalhe”, sublinha Andrea.

No home theater, o desafio de integrar uma grande televisão foi resolvido com subtileza: a parede foi pintada num tom de azul profundo, reduzindo o contraste e promovendo a harmonia visual. Uma bancada em mármore abriga objetos decorativos e uma discreta lareira a gás, enquanto esculturas de artistas portugueses pontuam o ambiente com ousadia e sofisticação.

Na casa de banho social, o destaque vai para o papel de parede escolhido a dedo. Já a cozinha, à semelhança da maioria dos apartamentos lisboetas, foi entregue com armários, bancadas e equipamentos integrados, sendo funcional e visualmente contida.

Mas é num dos quartos que a memória ganha forma mais íntima: um nicho revestido com azulejos antigos foi transformado num cantinho de leitura, um pequeno refúgio que sintetiza o espírito do projeto — um lugar onde a história é parte do presente, e onde cada detalhe convida à contemplação.