Este projecto de Gregorio Pecorelli devolve vida contemporânea a um interior histórico de Gio Ponti e Emilio Lancia, celebrando a herança arquitectónica dos anos 1930 com rigor, sensibilidade e precisão material.
Projeto: Gregorio Pecorelli Studio / Fotografias: Francesca Iovene / Texto: segundo memória descritiva
No coração do Corso Italia, em Milão, o arquitecto Gregorio Pecorelli deu nova vida e função a um interior de pequenas dimensões, mas de grande relevância, na Casa Sissa (1934–1936), edifício residencial projectado por Gio Ponti e Emilio Lancia. A arquitectura do edifício equilibra elementos racionalistas, eclécticos e do Novecento, característicos da arquitectura italiana da época. O projecto de Pecorelli aborda o tema do restauro conservativo com rigor, integrando cuidadosamente novas funções ligadas à sua própria prática profissional enquanto arquitecto.






O estúdio ocupa uma ala do edifício voltada para o Corso Italia. A planta organiza-se em torno de um átrio de entrada equipado com armários de altura total, que conduz a um amplo e luminoso espaço de trabalho em open space, a uma sala de reuniões mais intimista com vista para o jardim interior, a uma zona de café, a uma instalação sanitária com antecâmara e a áreas técnicas discretamente ocultas. A intervenção respeita a organização original: portas envidraçadas de duas folhas, reconstruídas a partir dos exemplares entretanto desaparecidos, abrem-se para os espaços principais, enquanto boiseries em carvalho fumado revestem a entrada, acrescentando calor e profundidade.






Cada opção de projecto resultou de um diálogo directo com a pré-existência. Os pavimentos originais em carvalho — dispostos em espinha na sala de reuniões e em parquet de losangos de 40 x 40 cm na área de trabalho — foram cuidadosamente recuperados, remontados e integrados sempre que necessário para permitir a introdução de novos sistemas técnicos. Este raro tipo de pavimento, descoberto sob revestimentos posteriores, foi restaurado com extrema atenção ao detalhe. Noutras áreas, surgem cementinas pretas (tradicionais ladrilhos de cimento italianos) que imitam o mármore Belgian Black; onde não foi possível encontrar peças de substituição adequadas, a continuidade foi assegurada através de lajes do próprio mármore, com tonalidade e acabamento correspondentes.





As superfícies murais foram tratadas com uma abordagem quase arqueológica: rebocos e acabamentos decorativos originais dos anos 1930, ocultos sob camadas posteriores, foram revelados, consolidados e reintegrados onde existiam lacunas. Na sala de reuniões, o tom verde das paredes evoca a paleta cromática da época. Janelas, puxadores e dobradiças também foram restaurados: cada elemento metálico foi desmontado, limpo e, em alguns casos, novamente fundido a partir de moldes, revelando a diversidade original de acabamentos em latão e ferro. Estes detalhes, situados entre o Modernismo e o gosto Novecento, testemunham o cuidado de um projecto onde elegância e precisão técnica se cruzam com a cultura material.




O mobiliário integrado, inteiramente desenhado à medida, define as funções de forma discreta: unidades de arrumação, consolas e mesas de trabalho em freixo branqueado estruturam o espaço sem comprometer a legibilidade histórica dos interiores. Na casa de banho, um amplo lavatório em mármore Verde Alpi ecoa as tonalidades do átrio. A sala de reuniões é enriquecida com clássicos do design: uma mesa dos anos 1940 de Paolo Buffa, cadeiras Indochine de Charlotte Perriand (Cassina) e o candeeiro 2109 de Sarfatti (Astep). A iluminação técnica é assegurada pelo sistema Infra-structure de Vincent Van Duysen (Flos), enquanto o átrio de entrada está pensado para acolher o candeeiro Lenticchia de Peter Zumthor (Viabizzuno).


O átrio do condomínio é concebido como parte integrante do projecto. Ainda por restaurar, preserva o revestimento original das paredes em mármore Palissandro Blu (uma rara pedra italiana do Piemonte, caracterizada por veios azulados e castanhos, por vezes designada comercialmente como “Bluette”), aplicado em padrão losangular, solução retomada no pavimento do escritório. Os limiares e as escadas são executados em mármore Verde Alpi de primeira escolha, seleccionado pela escassez de inclusões e veios. O pavimento introduz ritmo e dinamismo através de faixas diagonais de mármore branco (Carrara de tonalidade acinzentada) e preto (Belgian Black absoluto), uma composição marcadamente vanguardista para a época. Outros elementos de destaque incluem o tecto em estuque listado (strollato), um candeeiro embutido sob um banco em mármore e a grande janela envidraçada que inunda a escada de luz — tudo situado num equilíbrio subtil entre o Novecento e o Modernismo.



O projecto não é apenas um gesto de cuidado para com o património histórico, mas também uma declaração de método. Pecorelli, cuja prática profissional assenta numa sólida formação em restauro, história e arqueologia, abordou o trabalho como um diálogo disciplinado e sensível com a herança arquitectónica. Entre as suas obras recentes destaca-se uma residência à beira do Lago de Como, convertida a partir de um antigo abrigo para barcos, distinguida com o Prémio Filippo Perego e o Prémio Maestri Comacini na categoria de Interiores. Actualmente, encontra-se envolvido em novos projectos em Itália e nos Países Baixos.