Por a 5 Dezembro 2025

A casa do arquiteto Celso Rayol funde arte, ciência, natureza e memórias. A arquitetura original assinada por Cláudio Bernardes recebeu o projeto de interiores assinado pelo próprio Rayol, que funde em  460 m² décadas de histórias acumuladas.

Design de interiores: Cité Arquitetura / Fotografias: André Nazareth

Localizada no alto do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, a casa de Celso Rayol, arquiteto e fundador do estúdio Cité Arquitetura, representa um capítulo novo na sua vida.  Segundo conta o próprio, não se tratava de erguer uma casa nova, mas de dar continuidade às histórias acumuladas ao longo de décadas — suas e dos filhos, Luiz Eduardo e Mariana. 

O ponto de partida foi simples e profundo: traduzir visualmente uma vida inteira de memórias, afetos e brasilidade, preservando a arquitetura original assinada por Cláudio Bernardes e honrando o gesto, tão brasileiro, de misturar arte, natureza e peças encontradas em feiras e antiquários.

Com 460 m² distribuídos em vários níveis que acompanham o terreno, a residência mantém a essência do projeto de Bernardes, uma construção em madeira e vidro que se abre para a paisagem exuberante. Rayol vive há mais de 30 anos no Rio e é um apaixonado pelo design brasileiro, por achados e pelo artesanato. Os filhos partilham o mesmo espírito criativo: Luiz Eduardo, artista plástico e designer, e Mariana, estudante de biologia e profundamente ligada à natureza. A casa é, por isso, uma síntese natural entre arte, ciência e memórias familiares.

O estilo que predomina é o contemporâneo brasileiro, pontuado pelo rústico e com texturas artesanais. O ambiente revela um equilíbrio espontâneo entre peças icónicas do design nacional e internacional, móveis antigos recuperados e achados carregados de história. Para Rayol, esta é uma verdadeira “casa de achados e perdidos” — expressão que utiliza para descrever a forma como cada objeto carrega uma narrativa, seja familiar, afetiva ou histórica. Tudo convive sem formalismos, refletindo o modo de viver carioca: despretensioso, solar, acolhedor.

Entre os principais pontos do projeto estão a integração total entre interior e exterior — reforçada pelos amplos planos de vidro — e a preservação de elementos originais, como a escada em madeira e o jogo de pavimentos em desnível. A sala de estar, ampla e aberta para o jardim e piscina, é o coração da casa. Ali convivem o sofá LC3 de Le Corbusier, as cadeiras BRNO de Mies van der Rohe, a poltrona Tonico de Sérgio Rodrigues e o banco Blackpower dos Irmãos Campana. O tapete Cavalcanti (Cité + Avanti) e a mesa Gesto (Cité + LZ Studio) reforçam o caráter autoral do ambiente. Nas estantes, coleções afetivas revelam o olhar atento do arquiteto para a cultura material brasileira.

A sala de jantar é marcada por uma pintura sobre craft assinada por Luiz Eduardo Rayol, que funciona como pano de fundo para encontros e jantares. Na cozinha, dois elementos históricos foram preservados: os azulejos Brennand originais e a pia em azulejaria portuguesa, proveniente do mesmo convento baiano de onde veio a porta principal da casa — uma peça entalhada em madeira que recebe quem chega com imponência e poesia.

Os quatro quartos revelam universos distintos. O de Luiz Eduardo acolhe obras autorais e estudos de composição; o de Mariana privilegia materiais naturais, como juta, palha e bordados manuais; o de Celso funciona também como escritório e closet, onde convivem uma mesa de cabeceira manuelina, uma cadeira modernista, peças da Ilha do Ferro e obras de artistas como Ari Kaye e André Nazareth. Nas casas de banho, as louças originais foram preservadas, reforçando o vínculo com a história da casa.

A iluminação, redesenhada para valorizar a arte e o mobiliário, aposta em lâmpadas de temperatura quente e luminárias direcionáveis. Mas, apesar da existência de um projeto técnico, Rayol admite preferir o uso de luminárias decorativas, pela ambiência que criam. A casa possui ainda um jardim e piscina integrados aos espaços sociais, com paisagismo de Maíra Duarte.

Embora se trate de uma remodelação, o respeito pelo traço original foi absoluto — não houve intervenções estruturais. As atualizações concentraram-se em acabamentos, pintura, iluminação e pequenas correções de layout. A maior dificuldade? Encontrar o equilíbrio entre o valor afetivo da casa e as exigências contemporâneas, num processo que evoluiu organicamente, à medida que a família ocupava e ressignificava os espaços.

A paleta cromática é quente e natural: madeira, branco, verdes que entram pelas janelas, e pinceladas de vermelho e castanho que emergem das obras de arte. A atmosfera é viva, acolhedora e despreocupada.

No fim, o projeto reflete a filosofia de habitar de Celso Rayol: permitir que a casa amadureça junto com quem vive nela.