Por a 6 Novembro 2025

A primeira casa da arquitecta e designer de interiores Anabel Soria é um apartamento dos anos 70 em Valência, que transformou num manifesto íntimo do seu percurso, das viagens que a marcaram e da estética que defende enquanto profissional.

Projeto: Anabel Soria / Fotografias: AM Studio / segundo memória descritiva

Como deve ser a primeira casa de uma arquiteta e designer de interiores? Para a valenciana Anabel Soria, a resposta estava em manter-se perto das suas raízes e da sua família. Por isso, quando subiu ao terceiro andar de um edifício dos anos 70, não se apaixonou pelo que via, mas pelas oportunidades que o espaço oferecia: derrubar paredes, reorganizar e ligar divisões, trazer o exterior para dentro de várias áreas e criar uma fluidez natural entre os espaços.

A remodelação integral que realizou na sua própria casa é um reflexo fiel de si mesma, da sua vida em várias cidades (como Madrid, onde descobriu a sua paixão pelo design de interiores), das suas viagens (como a Itália, onde viveu, Marrocos, México ou Colômbia), dos seus passeios por mercados de segunda mão e, claro, do seu trabalho, já que o seu atelier também faz parte da casa.

Com 90 metros quadrados, a casa distribui-se em hall de entrada, cozinha junta à sala de jantar e sala de estar, atelier, dois quartos (um em suíte) e uma casa de banho destinada a clientes e convidados. Concebida totalmente ao seu gosto, combina madeiras, cerâmica e pedras naturais com têxteis suaves e naturais que atuam como telas em branco. Os tons neutros ganham vida com verdes, cinzentos, terracotas e, sobretudo, com vermelhos inesperados, em linha com esta teoria cromática.

Como linha estética repetida ao longo da casa, as cornijas, molduras, rodapés de até 12 centímetros e peças vintage acrescentam o lado mais clássico, enquanto os elementos decorativos assumem uma linguagem muito mais contemporânea.

A luz natural mistura-se com iluminação ambiente embutida em paredes e tetos, bem como com abat-jours que mudam ao ritmo das estações do ano. As peças decorativas – cerâmicas, quadros e objectos feitos à mão – não seguem modas, mas sim significados profundamente pessoais. Entre o intemporal e o moderno, Anabel criou um refúgio à sua medida e ao seu gosto, onde cada detalhe conta a sua própria história – e onde ela e a sua cadela Paquita vivem em tranquilidade.

Depois do hall, onde um grande espelho oval envelhecido dá as boas-vindas, abre-se o espaço partilhado entre cozinha, sala de jantar e sala de estar: um único ambiente rodeado de janelas que inundam tudo de luz natural. A cozinha organiza-se em torno de uma meia ilha, da Neolith, que funciona como mesa de jantar e separador visual e funcional entre as duas áreas. Um dos pilares originais do edifício revelou-se a oportunidade perfeita para delimitar a zona de cozinha; a partir dele, articula-se a área do lava-loiça, resguardada da vista para a sala, e uma zona de pequeno-almoço mais exposta. Num nível inferior, a ilha-mesa em pedra, com tons especiais, apresenta uma lateral curva que suaviza a transição para a sala, evitando choques e reduzindo o ruído visual. É rodeada por cadeiras e bancos de bambu, da Singular Market.

Durante a obra, foram descobertas vigas metálicas muito desgastadas no teto. Optou-se por mantê-las, revestidas com uma elegante moldura clássica da Orac, que emoldura o espaço e reforça a divisão natural das áreas. A parede de fundo da cozinha foi desenhada totalmente à medida para aproveitar ao máximo cada canto, com um grande armário lacado em tom cru e puxadores originais. Este integra os electrodomésticos, uma ampla área de trabalho e a placa de cozinhar.

Na sala de estar, dois pilares originais transformaram-se em aliados do design, pois enquadram a zona do sofá e valorizam a arquitetura inicial. A integração da antiga varanda amplia o espaço, trazendo ainda mais luz. A parede da televisão destaca-se por uma grelha superior em alvenaria, que volta a enquadrar o conjunto. Ao centro e nas laterais, nichos feitos à medida são revestidos com madeira e papel de parede com efeito têxtil que, em conjunto com a iluminação, conferem calor, profundidade e coerência. O chão é revestido com madeira natural em espinha.

A chamada “teoria do vermelho inesperado” manifesta-se em pequenos apontamentos decorativos que sobressaem sobre a base neutra: uma bandeja sobre a mesa de centro em microcimento, da Cristina Oria, um vaso, um quadro ou as almofadas sobre o sofá branco, da Telas La Tonelada. Uma poltrona em tom terracota com acabamento bouclé, da Sklum, reforça o jogo de contrastes.

Junto às zonas comuns, um primeiro quarto distingue-se pela porta de vidro transparente – um detalhe desenhado para atrair o olhar de clientes e visitas logo desde a entrada. Este espaço, originalmente um dormitório, foi redesenhado pela própria Anabel Soria, avançando a parede em direção à sala para ganhar amplitude e criar um atelier mais aberto e luminoso.

O resultado é um espaço de trabalho funcional, muito pessoal e cheio de carácter. O papel de parede da Coordonné, de estampado chamativo, evoca as memórias dos dias que Anabel passou na Colômbia. Rodeado de amostras de materiais e publicações de design e arquitetura, o espaço acolhe dois postos de trabalho com uma mesa simples e cadeiras de escritório confortáveis da Ikea. Num canto, uma poltrona branca texturada, da Maisons du Monde cria um recanto de descanso para visitas, acompanhada por cortinas da La Redoute que dialogam com o papel de parede. Muitas vezes, é aqui que a pequena Paquita se deita enquanto a sua dona cria casas únicas para os outros.

Ao entrar na suite, encontra-se primeiro a casa de banho, concebida como um espaço de transição para o quarto. Ao contrário das áreas comuns, aqui optou-se por compartimentar para ganhar funcionalidade e privacidade. Atrás de portas de vidro canelado, o WC e o duche ficam separados, permitindo o uso simultâneo. Para gerar bem-estar e calma, a zona da sanita é revestida com papel de parede delicado, enquanto o duche combina pedra cinzenta da Pamesa, torneiras cromadas  da Saltoki e um nicho iluminado. Em frente, uma zona de vestir oferece mais arrumação.

A zona de lavatório, como numa suíte de hotel, está aberta, oferecendo conforto e criatividade. Um móvel feito à medida em branco, com detalhes artesanais e puxadores dourados, suporta dois lavatórios em tom avermelhado, da Leroy Merlin, que se tornam protagonistas. A torneira branca da Saltoki e os apliques tubulares enquadram o grande espelho, também da Leroy Merlin. O papel de parede da Coordonné apresenta linhas verticais vermelhas que reforçam a identidade cromática do projeto. Um quadro de Tamara K. Lloyd-Cox capta o olhar desde o corredor.

As colunas originais estruturam toda a zona do quarto, marcando a entrada e enquadrando o grande armário-vestiário, onde uma dupla altura integra a iluminação da Faro Barcelona e cria um desenho único. Os detalhes das portas do roupeiro mantêm coerência com o design do lavatório exterior.

Sob molduras clássicas e papel de parede texturado da Coordonné, um friso pintado faz de cabeceira. Sobre ele, apliques brancos da Maison du Monde acompanham as mesas de cabeceira em madeira, da Jysk. No tecto, um ventilador garante climatização e luz. A cama com arrumação, vestida em brancos, mostarda, cinzentos e apontamentos vermelhos e terracota, combina com o grande quadro feminino da Ixia que domina a parede. A integração da varanda original amplia o espaço e reforça a luz natural, suavizada apenas por estores de linho neutro. Neste recanto íntimo há ainda uma cadeira auxiliar e um espelho geométrico da Ixia e um toucador-caixa de joias.

Pensado para receber amigos e família, o quarto de hóspedes respira simplicidade, à espera das histórias que virão. A funcionalidade prevalece, com bastante arrumação embutida, da Ikea, mas são os detalhes artesanais que fazem a diferença. A cabeceira, desenhada e construída pela própria Anabel Soria com tecido de Julián López, é um dos elementos que mais se destaca. Um aplique de luz em tom esverdeado contrasta com os demais tons brancos, creme e cinzentos. Os têxteis naturais trazem equilíbrio e leveza.

Na casa-de-banho de serviço, Anabel deixa a imaginação correr livre e rompe com o convencional, apostando num design muito pessoal e original. Com peças cerâmicas da Nais, desenhou um xadrez mate no chão e no duche, onde vermelho, castanho e bege se entrelaçam. Azulejos brilhantes da mesma marca revestem a área do duche. A parede combina com papel de parede da Casamance de efeito microcimento, que acrescenta textura e um contraste subtil face ao dinamismo do padrão xadrez. Um móvel suspenso em madeira suporta um lavatório em porcelana branca, da Roca, acompanhado de torneiras douradas. O resultado é uma casa de banho muito chic, onde artesanato e funcionalidade convivem em equilíbrio.

Por último, a única varanda preservada na casa não passa despercebida graças ao mosaico hidráulico criado com peças cerâmicas em tons de vermelho, branco e bege. O resultado é um desenho alegre e dinâmico que traz movimento a este espaço exterior. Um banco de madeira e vários jarros de barro completam a cena.