Entre memórias partilhadas e uma curiosidade antiga, o coletivo One Desk deu nova vida a um apartamento no antigo bairro judaico de Cracóvia — um espaço cheio de história, onde a luz e a leveza entraram, finalmente, para ficar.
Projeto: One Desk / Fotografias: Migdal Studio / segundo memória descritiva
“O nosso primeiro contacto com o apartamento no antigo bairro judaico de Cracóvia aconteceu muito antes dos atuais proprietários nos procurarem para desenvolver o projeto de interiores”, conta a equipa do coletivo One Desk, que assina esta remodelação. “Já conhecíamos o apartamento, ou melhor, um pormenor muito particular dele. Os antigos donos possuíam uma impressionante biblioteca, com quase quatro metros de altura, visível da rua — precisamente no percurso que fazíamos diariamente para casa. Espreitávamos discretamente pela janela e muitas vezes imaginávamos como seria o resto do apartamento. Por isso, foi com enorme surpresa que, anos mais tarde, não só pudemos satisfazer essa curiosidade, como também tivemos a oportunidade de redesenhar o espaço por completo. E, na verdade, não foi um espanto total: o apartamento, tal como o edifício e todo o bairro em que se insere, tem uma atmosfera absolutamente especial”.



“Com uma base estética tão sólida, adotamos como princípio orientador o velho adágio Primum non nocere — Antes de mais, não causar dano”, explicam.



O maior desafio deste projeto foi abrir a zona social, originalmente bastante exígua e pouco iluminada, de modo a permitir a entrada de luz natural. Foi para isso suficiente, perceber que remover a parede entre a sala e a cozinha não seria suficiente — a sensação de clausura persistia.

Foi então proposta uma nova abertura entre a sala e o quarto, substituindo o antigo nicho onde outrora existira um fogão de aquecimento. Para evitar um acesso direto da sala ao quarto, foi deslocada a parede, criando um corredor adicional. Este novo espaço permitiu integrar novas funções — escritório, despensa e roupeiro.


Esta decisão não só criou uma ligação visual entre a sala e o restante apartamento, como também deixou a luz natural fluir por todo o interior. Para separar o átrio de entrada das restantes divisões sem impedir a passagem da luz filtrada pelas folhas das árvores lá fora, foi desenhada uma parede envidraçada com estrutura de aço, inspirada livremente nas divisões com caixilharia de madeira das antigas varandas dos prédios históricos.



Um elemento marcante deste interior são as duas aberturas em arco que ligam os espaços. A escolha desta forma revelou-se particularmente feliz, pois, durante a obra, foram descobertas abóbadas de tijolo originais exatamente nesses locais.



Os materiais escolhidos — o soalho em carvalho disposto em espinha e as portas brancas de duas folhas — evocam o classicismo dos interiores do século XIX. Em contraste com estes elementos tradicionais, surgem as cores: ora suaves e delicadas, ora intensas e profundas, como o borgonha do aparador feito por medida ou o azul-ultramarino do nicho da entrada.




Um dos apontamentos mais surpreendentes são as portas dos armários da cozinha, em latão dourado. Os proprietários, empenhados em concretizar o projeto com a máxima fidelidade, mandaram fabricar estas frentes na longínqua região das montanhas Bieszczady e trataram-nas pessoalmente, experimentando diversas técnicas de envelhecimento do metal. “A sua dedicação foi essencial em todo o processo: a sensibilidade que demonstraram na fase de conceito e a determinação com que acompanharam a execução foram decisivas para transformar as ideias em realidade”.