Por a 29 Outubro 2025

O passado, como escreveu Joan Margarit, “espera por nós no amanhã”. E a remodelação deste apartamento num bairro histórico de Barcelona é um exercício de reconciliação entre tempos. O estúdio SIGLA assina o projeto, que foi fotografado por Marta Vidal.

Projeto: SIGLA Studio / Fotografias: Marta Vidal

Há casas que contam histórias — e há projetos que as sabem ouvir. Foi o caso deste apartamento no coração do Poblenou, em Barcelona, onde uma jovem recém-chegada à cidade quis começar um novo capítulo da sua vida. O ponto de partida: um apartamento de 1930, com toda a alma do bairro e a vontade de o transformar sem lhe roubar a essência.

O desafio entregue ao ateliê responsável pela reabilitação era claro: abrir a cozinha à sala e criar um espaço mais fluido, luminoso e funcional, respeitando os elementos originais que dão carácter a este tipo de habitação tradicional em Barcelona — os tetos altos, as abóbadas catalãs e os pavimentos hidráulicos.

Localizado a poucos metros da Rambla do Poblenou, o apartamento mantém a estrutura e as texturas que o ligam ao tempo e ao lugar. O corredor de entrada, agora restaurado, revela as camadas da pintura original com silicato de potássio e conduz a um conjunto de divisões interligadas por portas de madeira de pinho, também recuperadas. O grande gesto arquitetónico acontece na abertura entre o closet e a sala, que permitiu orientar a cozinha para o exterior e criar um espaço comum mais luminoso, ventilado e convidativo.

A intervenção pautou-se por uma ideia simples: entender o conforto como o verdadeiro luxo contemporâneo. Intimidade, calma e familiaridade foram as sensações que guiaram todo o processo — da escolha das cores aos materiais, passando pela disposição dos móveis. “A domesticidade não é apenas um atributo do espaço”, explicam os autores do projeto, “é um conjunto de emoções: o ritual de um café pela manhã, a leitura à luz de uma janela, uma conversa demorada no sofá”.

A casa mantém a sua memória intacta. Os tetos de vigas de madeira e abóbadas cerâmicas foram reabilitados; as portas, decapadas e recuperadas; as paredes, tratadas com veladuras de cera e tinta de cal sem base acrílica. Nos espaços de banho, onde o pavimento original já não existia, optou-se por criar um novo solo artesanal em argamassa com agregados, produzido em Maiorca pela Huguet. A mesma matéria-prima deu origem aos lavatórios em terrazzo rosa, feitos à medida.

A paleta é suave, de tons pastel e rosados, que dialogam com as texturas recuperadas e com a luz natural que atravessa o apartamento. Cada detalhe reforça o compromisso com a autenticidade: materiais locais, ecológicos e de poro aberto, que respiram e envelhecem com o espaço — como se a casa continuasse viva, em constante diálogo com quem a habita.

O mobiliário — selecionado em colaboração com El Recibidor — mistura peças originais dos anos 60, 70 e 80 com objetos de produção artesanal italiana. Entre elas, destacam-se as cadeiras Mikado de Walter Leeman, uma mesa extensível de A.H. McIntosh & Co. e um candeeiro suspenso da Form Light. No centro da sala, o sofá Sumo, da Sancal, acolhe a vida quotidiana com o conforto despretensioso que define todo o projeto.

Curiosamente, muitos dos móveis que hoje integram o espaço foram deixados pelos antigos proprietários, que os consideravam desatualizados. Agora, ganham uma nova leitura, convivendo com os elementos originais da casa e com a energia da nova moradora.