Por a 27 Outubro 2025

O apartamento Claude Bernard é uma obra-prima do movimento haussmanniano. O padrão do soalho em parquet, as cornijas molduradas e todos os outros detalhes magistralmente pensados fazem desta habitação um lugar de exceção.

Projeto: Aurnaud de Matteis; Fotografia: Juan Jerez Studio; Segundo a memória descritiva

Para responder aos modos de habitar contemporâneos, “procurámos uma nova forma de viver o espaço, respeitando a sua história e os seus silêncios. O projeto cenográfico abre a circulação, faz respirar os volumes e reinventa uma ligação mais fluida com a arquitetura original.

Após alguns meses de transformação, é no teto da entrada que um tom suave, quente e terroso marca a primeira nota. Esta cor cria uma sensação envolvente, quase táctil, e reduz visualmente a altura do volume. Produz ainda um efeito de abertura em direção à sala, através de um jogo de contrastes.

A entrada torna-se assim num casulo silencioso, íntimo, quase protetor. Em contraponto, a sala ergue-se numa verticalidade luminosa, livre, vibrante. Essa tensão entre contenção e abertura guia o corpo sem o constranger — um convite a atravessar, a habitar o espaço com uma convivialidade evidente.

A sala é o coração pulsante do apartamento. Para amplificar a sua respiração, foi unida à cozinha.

Embora alinhadas, as duas divisões não eram iguais face ao sol: apenas a sala recebia os raios mais generosos. A orientação do edifício e a densidade urbana envolvente filtravam a luz, que mal conseguia alcançar a cozinha. A isto somava-se a parede que as separava, cortando bruscamente esse impulso luminoso e impedindo a livre circulação da luz.

Essa fronteira foi, portanto, transformada. Criaram-se duas passagens, acompanhadas por uma claraboia interior, que funcionam como respirações entre os volumes. Desde então, a luz circula sem obstáculos de uma divisão para a outra, revelando a claridade, os volumes, as matérias e as cores.

Ao reorganizar os limiares, também as circulações se metamorfosearam. Desenhou-se um percurso fluido, que permite atravessar o espaço com liberdade, sem nunca interromper o movimento. Em complemento, uma parte da parede foi mantida, permitindo criar, de um lado, uma ampla zona de refeições e, do outro, arrumação discreta.

Entre ambas, uma claraboia em carvalho maciço insere-se como uma pontuação. Permite que os espelhos da sala e da cozinha dialoguem frente a frente, instaurando um jogo de reflexos que evoca o ar de uma galeria dos espelhos, uma perspetiva absoluta.

A cozinha torna-se o ponto central da vida quotidiana. De um lado, armários bem pensados organizam-se em cascata, prontos a satisfazer os amantes da culinária. Do outro, uma grande ilha central, imaginada como um navio ancorado, convida à descoberta gastronómica e à partilha de momentos memoráveis.

Embora a paleta cromática permaneça dominada por tons neutros, é uma verdadeira explosão de matérias que enriquece o espaço: madeira maciça, terracota, dourado, gesso decorativo, latão, metal, cerâmica artesanal, entre outras. Cada elemento traz a sua própria vibração, nuance e calor.

A única divisão que sofreu uma transformação mais marcada foi a casa de banho, totalmente repensada num espírito monocromático.

O quarto principal era a divisão esquecida do apartamento. No entanto, um pequeno detalhe já despertava curiosidade antes da transformação: apesar dos dois andares que separam o apartamento do solo, uma vegetação selvagem insinuava-se pela janela da casa de banho — uma poesia inesperada, quase frágil. Tudo foi então repensado para oferecer a esse poema o lirismo que merece.

Hoje, uma ampla bancada com lavatório e um espelho enfrentam a entrada. Mesmo acima, a janela atua como um foco natural: quem entra é imediatamente envolvido por um halo de luz — um instante romântico.

Ao sair da casa de banho, a nova circulação conduz até à cama. Pouco a pouco, instala-se uma sensação de recolhimento, como um suave refúgio no coração do espaço.