Em entrevista à Urbana, Hugo Merino Ferraz, arquiteto, diretor da IF – Produtora Cultural em Arquitetura e curador da exposição que encerra a 3.ª edição dos Prémios FORMA fala sobre as propostas apresentadas, os desafios atuais e a importância de espaços como o Roca Lisboa Gallery para aproximar o público dos profissionais.
Os Prémios Nacionais de Arquitetura FORMA são uma iniciativa da IF – Produtora Cultural em Arquitetura, que distingue a arquitetura portuguesa promovendo a inovação, a qualidade e a sustentabilidade. No âmbito do patrocínio da Roca a esta edição, o Roca Lisboa Gallery acolhe até hoje a exposição que encerra a 3.ª edição dos Prémios. A Urbana esteve à conversa com o arquiteto Hugo Merino Ferraz, curador da exposição e diretor da IF.

Urbana: Esta exposição marca o encerramento da 3.ª edição dos Prémios FORMA. Que ideia orientou a sua curadoria?
Hugo Merino Ferraz: A ideia foi, acima de tudo, levar a Lisboa aquilo que aconteceu em Coimbra durante o Festival de Arquitetura FORMA — um momento intenso de partilha, reflexão e celebração da arquitetura portuguesa. Muitos não tiveram oportunidade de estar presentes ou de visitar a exposição das obras finalistas e premiadas, e quisemos que esta mostra no Roca Lisboa Gallery funcionasse como uma extensão e síntese desse acontecimento. A exposição reflete precisamente isso: o espírito e a energia que marcaram o festival e os prémios, reunindo num só lugar as ideias, as obras e os protagonistas que contribuíram para desenhar o panorama atual da arquitetura em Portugal.
O que distingue, na sua opinião, os Prémios FORMA dos demais — tanto em termos de projetos apresentados como do debate que gerou?
O que distingue os Prémios FORMA é o facto de se assumirem como um evento anual dedicado à arquitetura, pensado não apenas como reconhecimento profissional, mas como um contributo para o entendimento do papel da arquitetura na construção das sociedades atuais. Mais do que premiar obras, procuramos gerar diálogo e consciência, aproximando diferentes gerações e olhares sobre o território. O processo estende-se no tempo — da seleção das obras ao contacto direto com os autores e às visitas às próprias construções —, criando um ciclo contínuo de partilha e reflexão que dá sentido à existência destes prémios.

Um dos objetivos dos Prémios FORMA é afirmar a arquitetura como prática cultural e social. Como é que isso se traduz, na prática, nas candidaturas e nos projetos premiados?
Isso sente-se sobretudo na diversidade das obras apresentadas e na forma como cada uma delas traduz uma leitura sensível do território e das pessoas. A arquitetura, para nós, não é apenas uma disciplina técnica, mas uma prática cultural, social e até ética, que reflete o tempo em que vivemos. Mas essa dimensão cultural e social extravasa o campo dos arquitetos — e é precisamente nesse sentido que a entendemos. Acreditamos que uma sociedade mais informada e consciente será também mais exigente com o seu espaço público, com os edifícios, com a cidade e com a paisagem. Por isso, a componente educativa e informativa tem um peso essencial no nosso trabalho: queremos que os FORMA contribuam não só para reconhecer boas práticas, mas também para formar olhares mais atentos e críticos sobre o ambiente construído.
O Roca Lisboa Gallery tem sido um espaço de diálogo e partilha para a arquitetura. Que papel desempenham lugares como este na aproximação entre os profissionais e o público?
Espaços como o Roca Lisboa Gallery têm um papel fundamental porque criam pontes entre a arquitetura e as pessoas. Permitem que a disciplina saia do seu círculo profissional e se apresente como aquilo que verdadeiramente é: uma prática cultural que pertence a todos. É nesse encontro entre arquitetos, estudantes e público que se gera diálogo, curiosidade e consciência — elementos indispensáveis para o crescimento coletivo. No caso desta exposição, o Roca Lisboa Gallery é mais do que um espaço expositivo: é um lugar de continuidade, onde se prolonga o debate iniciado em Coimbra durante o Festival FORMA, e onde a arquitetura se mostra de forma acessível, convidando à observação e à reflexão.


Os Prémios FORMA nasceram de uma vontade de repensar o modo como se reconhece e comunica a arquitetura em Portugal. Que lacunas é que sentiram e procuraram colmatar com esta iniciativa?
Sentimos que, em Portugal, a arquitetura é muitas vezes comunicada de forma distante, quase exclusiva ao meio profissional. Faltava-lhe um espaço de mediação cultural capaz de traduzir o seu valor para o público e de reaproximar a disciplina das pessoas e dos lugares. Os FORMA nascem precisamente dessa vontade de criar um modelo mais aberto e inclusivo, onde premiar é também partilhar, debater e educar. Nesse sentido, o Festival de Arquitetura FORMA surge como uma ferramenta essencial — através das suas atividades, conferências, exposições e oficinas, musica, documentários, procura aproximar as pessoas da arquitetura, convidando-as a olhar para o espaço construído de forma mais consciente e participativa. Queríamos colmatar uma lacuna que é tanto de comunicação como de reconhecimento: dar visibilidade não apenas às obras de grande escala ou assinatura, mas também àquelas que, pela sua sensibilidade e impacto local, melhoram silenciosamente a vida das pessoas. No fundo, o FORMA propõe-se redefinir o olhar sobre o que é relevante em arquitetura — não apenas o que é formalmente inovador, mas o que é social, humano e transformador.
O “FORMA de Manifesto” propõe uma visão mais inclusiva e territorialmente consciente da arquitetura. Que impacto tem tido este documento na forma como se pensa e ensina arquitetura no país?
O FORMA de Manifesto nasce da formalização do manifesto inFORMAL, criado por mim, pelo Pedro Hébil e pela Marta Pimenta Moreira há mais de quatro anos. É um texto que, mais do que definir regras, lança perguntas — sobre o que é a arquitetura, para quem é feita e que papel desempenha na vida coletiva. O seu propósito é simples e, ao mesmo tempo, profundo: chamar à participação todas as pessoas, convidando-as a observar, ouvir, sentir e pensar o espaço que habitam. O manifesto tem ganho vida através do próprio Festival FORMA, tornando-se um espaço de reflexão e partilha de ideias sobre a arquitetura contemporânea — sobre o que ela é, para onde pode ir e quais os desafios que enfrenta. É um apelo à consciência e à observação, à forma como olhamos, escutamos e experienciamos o território. Neste momento, estamos numa fase de recolha de participações através do nosso site, que resultarão futuramente num documento impresso. Acreditamos que essa construção coletiva é o verdadeiro impacto do manifesto: fazer da arquitetura uma prática aberta, participada e viva, onde todos têm lugar e voz.


A nova geração de arquitetos portugueses tem mostrado uma crescente atenção à sustentabilidade, ao território e ao impacto social das suas obras. Como avalia esse movimento?
Mais do que um movimento, diria que existe hoje uma maior consciência em torno dessas questões. No campo da sustentabilidade, essa mudança tornou-se também mais acessível, porque é agora um tema sistémico: a própria indústria dos materiais e da construção evoluiu nesse sentido, oferecendo soluções e tecnologias que facilitam o trabalho dos arquitetos e reduzem a pegada ambiental das obras. Quanto ao território e ao impacto social, penso que essa atenção reflete sobretudo a consciência das novas gerações, embora estas preocupações sempre tenham estado presentes na essência da arquitetura. Afinal, compreender o território e melhorar a vida das pessoas faz parte do próprio ADN da profissão. O que mudou talvez tenha sido a perceção pública — a sociedade começa agora a reconhecer mais claramente o papel da arquitetura enquanto agente ativo na transformação social e ambiental.
Como curador e produtor cultural, que importância atribui à criação de contextos — exposições, festivais, debates — que ultrapassem o âmbito da obra construída?
Acredito que a arquitetura não vive apenas nas obras, mas sobretudo nas ideias que as antecedem e nas conversas que as prolongam. Criar contextos como exposições, festivais ou debates é fundamental porque permite trazer a arquitetura para o domínio público, abrindo espaço ao diálogo, à observação e à escuta. Esses momentos são, para mim, ferramentas de cultura — formas de aproximar pessoas, cruzar disciplinas e gerar pensamento crítico. Quando a arquitetura se discute fora do gabinete e do estirador, ela torna-se mais humana e mais próxima, e é aí que ganha verdadeiro sentido. Os FORMA nasceram precisamente dessa necessidade: criar um ecossistema onde a arquitetura possa ser vivida, pensada e partilhada, não apenas desenhada ou construída.

Quais considera serem, hoje, os maiores desafios para a prática arquitetónica em Portugal — e que caminhos se podem traçar para o futuro próximo?
Os maiores desafios da arquitetura em Portugal são, em grande parte, estruturais e culturais. Por um lado, temos uma profissão profundamente exigente, mas que nem sempre é valorizada ou compreendida na sua verdadeira dimensão. Por outro, vivemos um tempo em que os processos se tornaram cada vez mais burocráticos, o que afasta a arquitetura do seu propósito essencial: construir com sentido, tempo e humanidade. Ao mesmo tempo, enfrentamos um contexto social e económico que dificulta o acesso à habitação e que exige novas formas de pensar o território, mais sustentáveis e inclusivas. O futuro passa por redefinir prioridades: simplificar processos, valorizar o trabalho intelectual, e sobretudo recolocar a arquitetura no centro das decisões públicas. Vejo esse futuro com otimismo, porque há uma geração de arquitetos — e também de cidadãos — mais conscientes e exigentes, que percebem que a arquitetura não é um luxo, mas uma necessidade coletiva.
Que legado gostaria que esta 3.ª edição dos Prémios FORMA deixasse — tanto na comunidade profissional como na perceção pública da arquitetura portuguesa?
Gostava que esta edição deixasse sobretudo uma sensação de continuidade — a ideia de que os FORMA não são um evento isolado, mas um processo em construção, feito de muitas vozes e de uma vontade comum de valorizar a arquitetura como prática cultural e social. Se conseguirmos que as pessoas — arquitetos ou não — olhem para o espaço com mais consciência, curiosidade e sentido crítico, então já teremos cumprido o nosso papel. Esse é o verdadeiro legado que gostaria de ver consolidado: uma comunidade mais atenta ao território, mais exigente com o que a rodeia e mais consciente do impacto que o espaço tem na vida de todos nós. Os FORMA nascem e renascem a cada edição — através das obras, das conversas e das pessoas que lhes dão sentido. O legado está precisamente aí: na capacidade de inspirar, questionar e continuar a construir juntos.