Por a 2 Setembro 2025

Em Notting Hill, o Studio WER – com sedes em Londres mas também no Porto -, transformou uma townhouse de meados do século XIX numa casa que é testemunho da forma como a arquitetura e o design de interiores podem dialogar com a história, respeitando-a, mas oferecendo novas soluções de habitar. Da curadoria do mobiliário à marcenaria desenhada para integrar funções, cada detalhe contribui para uma casa que é herdeira do seu passado e protagonista de uma nova narrativa.

Projeto: Studio WERFotografias: Fran Parente

Localizada no bairro histórico de Notting Hill, em Londres, esta townhouse de meados do século XIX foi recentemente alvo de uma intervenção profunda que conseguiu alcançar um equilíbrio raro: preservar a identidade vitoriana da construção e, simultaneamente, reinterpretá-la de forma contemporânea. Classificada como património, a residência integra um conjunto de moradias erigidas por volta de 1840 e foi agora adaptada às exigências de uma nova família, que procurava espaços abertos, luminosos e funcionais, sem perder o caráter histórico do imóvel.

A transformação começou pela reorganização da planta. Os quartos foram colocados no piso inferior, libertando o piso superior para uma planta aberta onde se concentram as áreas sociais. Esta decisão não só ampliou a fluidez entre os espaços como permitiu criar uma sequência contínua entre sala de estar, sala de jantar e cozinha, reforçada pela uniformidade dos materiais. O soalho em madeira natural percorre toda a casa, emprestando calor e coerência, enquanto as boiseries brancas em meia-altura e a marcenaria desenhada à medida introduzem elegância e proporção.

Na sala de estar, os painéis de madeira que revestem as paredes escondem soluções técnicas inteligentes: um armário embutido integra-se discretamente entre as boiseries, funcionando como aparador e, ao mesmo tempo, ocultando a televisão através de um sistema elevatório. Este detalhe é representativo da abordagem do projeto — soluções funcionais que nunca comprometem a harmonia estética. 

A seleção de mobiliário reforça essa narrativa. Uma poltrona escandinava vintage dos anos 1960 coexiste com a icónica poltrona Alky, de Giancarlo Piretti, peça de forte presença escultórica que contrasta com o ambiente clássico. A iluminação é também protagonista, com destaque para a luminária de pé Armitage, de Joe Armitage, uma reinterpretação contemporânea de um modelo original de 1952, desenhado pelo arquiteto Edward Armitage. Estas escolhas, criteriosas e pontuais, resultam numa composição que valoriza cada peça, sem saturar o espaço.

A sala de jantar abre-se em continuidade, marcada pela presença das vigas de madeira expostas, que dialogam com o novo soalho e com o tom quente da marcenaria. A mesa, de linhas depuradas, serve de ponto central, acompanhada por cadeiras de inspiração nórdica que acrescentam leveza ao conjunto. O ambiente respira autenticidade e transmite a ideia de um espaço pensado para o convívio, onde o design é vivido no quotidiano e não apenas exibido.

Na cozinha, o protagonismo vai para a luz natural. Novas aberturas — incluindo uma claraboia e janelas voltadas para o pátio — transformaram o ambiente, que agora se apresenta claro e convidativo. A bancada principal, em material resistente e de tonalidade suave, estende-se ao longo da parede, servindo não só como área de trabalho mas também como apoio para refeições rápidas. O espaço é pontuado por peças de grande valor histórico e estético, como o par de bancos vintage assinados por Charlotte Perriand para a estação de esqui Les Arcs: com estrutura tubular cromada e assento em couro, estas peças são testemunhos do modernismo funcional dos anos 1960. A iluminação não foi deixada ao acaso — a arandela Tassel, da Apparatus Studio, introduz um ponto de sofisticação escultural, conferindo teatralidade ao ambiente.

A marcenaria da cozinha reflete o cuidado no aproveitamento de cada metro quadrado. Portas retráteis transformam armários em painéis contínuos, que quando fechados oferecem uma leitura minimal e serena, e quando abertos revelam os equipamentos e utensílios do dia a dia. Esta solução, além de prática, mantém a coerência estética entre os diferentes ambientes.

No piso inferior, agora transformado em zona privada, os quartos beneficiam da escavação estrutural que permitiu rebaixar o solo e aumentar o pé-direito. A operação foi complexa, mas o resultado é um espaço confortável, luminoso e diretamente ligado ao pátio traseiro. Nos quartos, a carpintaria ganha protagonismo: armários modulares revestidos a tecido, emoldurados por madeira, estendem-se a partir da cabeceira da cama até ao closet, conferindo continuidade visual e textura.

As casas de banho assumem um carácter distinto. Revestidas integralmente com grandes placas de mármore, aliam a pureza material ao impacto visual. O transporte e instalação destas pedras de grandes dimensões, num bairro como Notting Hill, representou um desafio logístico minucioso, mas o resultado final revela-se imponente, celebrando a beleza intemporal dos materiais naturais.

O pátio traseiro prolonga a experiência interior para o exterior. O paisagismo mantém canteiros verdes que criam continuidade visual com o interior, enquanto uma escada metálica de desenho discreto liga os dois níveis da casa.

Apesar da sua linguagem contemporânea, a materialidade da escada dialoga com a construção original, revelando a mesma preocupação de todas as intervenções: acrescentar sem sobrepor, reinterpretar sem apagar.