Chama-se Casa Tao e é, em última instância, uma arquitetura nascida do desejo de habitar o mundo com maior atenção. O projeto é assinado pelo HW Studio e a reportagem fotográfica é de Hugo Tirso Domínguez e César Belio.
Arquitetura: HW Studio / Fotografias: Hugo Tirso Domínguez e César Belio / segundo memória descritiva
Algumas casas não se projetam: recordam-se. A Casa Tao não nasceu do traço técnico, mas da memória silenciosa de quem a habita. É uma casa que não pretende responder a uma imagem, mas sim a uma vida. Ou, mais precisamente: a uma forma de viver.


Gustavo cresceu numa casa humilde, feita mais de esforço do que de materiais. Filho de camponeses e de comerciantes de artesanato, pessoas de mãos ásperas e olhar generoso, que, apesar de os seus estudos terem sido interrompidos prematuramente, souberam semear nele o desejo de compreender o mundo. Cresceu em Puerto Vallarta, uma localidade na costa do Pacífico mexicano, onde o sol e a humidade definem o ritmo dos dias e onde a sombra não é um acaso, mas um bem precioso, um verdadeiro refúgio. Desde o início, a casa deveria traduzir essa necessidade de abrigo, de recolhimento e de frescura. O conceito de sombra não foi aqui entendido apenas como um fenómeno físico, mas como uma condição emocional: uma promessa de calma, de silenciosa proteção perante um mundo estridente.


Mas a personalidade de Gustavo — tão rica e complexa como o lugar da sua infância — foi o que marcou profundamente o desenho. Com uma curiosidade pouco comum, é um homem que fez do conhecimento autodidata o seu caminho. Filosofia, arquitetura, música, fotografia: dá a impressão de que pouco lhe é alheio. A sua biblioteca, com edições especiais de Alberto Campo Baeza, Fan Ho, Tarkovsky… revela um apreço pela clareza formal, pela geometria essencial, pelos pátios silenciosos que dialogam com o vazio e com a luz. Conversar com ele é mergulhar num olhar aberto ao mundo, profundamente sensível e ao mesmo tempo preciso.




A sua história com Cynthia, a segunda habitante, é também parte essencial desta arquitetura. Juntamente com as duas filhas, Mila e Anto, empreenderam a sua primeira viagem fora do país, ao Japão. Essa viagem deixou uma marca indelével no seu imaginário: a estética do vazio, a limpeza compositiva, a quietude contida em cada gesto arquitetónico. Disseram-nos entre sorrisos: “Gostaríamos de sentir que vivemos dentro de um museu japonês”, contam os autores do projeto na memória descritiva. Mas não se referiam à solenidade do museu enquanto instituição, mas sim a esse tipo de espaço que permite que o tempo se torne lento, que a luz se filtre com cuidado, que o silêncio se torne tangível.




O coletivo HW Studio assim o fez. Num bairro sem grandes vistas, salvo uma praça arborizada que oferecia sombra e brisa, decidiram orientar a arquitetura para essa frescura. Mas não o fizeram de forma frontal. Evitaram o uso de grandes superfícies envidraçadas que pudessem intensificar o calor. Em vez disso, propuseram uma relação oblíqua, enviesada, que permite intuir a presença da praça sem se expor totalmente à luz pesada do sol. O habitar enquadra-se de forma indireta, como se a casa observasse em diagonal, com modéstia, deixando apenas passar o vento e a fragrância que nos chega de um mar não muito distante.



Foi colocado o programa maior — os quartos, a garagem e os serviços — na base e, sobre ele, suspensa uma caixa leve, de dupla altura, que contém as áreas sociais. Esta estratégia permitiu afastar a vida social do nível da rua, envolvendo-a em ar e abrindo-a às árvores e ao vento salino que atravessa a praça. Os pátios elevados funcionam como terraços de contemplação, pequenas plataformas de onde melhor se respira a fragrância das flores e se ouve o murmúrio do vento nas copas das árvores.



Os quartos organizam-se em torno de um pátio, em busca de silêncio e ar. Aqui, a intimidade exprime-se através do recolhimento, não como clausura, mas como mundo interior. Um muro curvo recebe o visitante com suavidade, marcando um limiar acolhedor, enquanto uma árvore dá as boas-vindas como se fosse um arranjo floral. A casa não olha para o bairro, volta-se, mas não se fecha: abre-se ao céu, à sombra, à praça. Tudo está disposto para que o habitar aconteça de forma mais lenta, mais plena, mais aberta ao invisível.

A materialidade foi uma decisão inevitavelmente tátil e sensorial. O branco encandeia sob o sol costeiro, enquanto o betão — pesado, honesto — absorve a luz com delicadeza. É um betão que se torna quente pelo uso e pelo tempo. Nesta matéria a luz não se reflete: pousa.

Esta procura deliberada da sombra, como refúgio e como qualidade poética, aproxima-nos de uma compreensão do espaço semelhante à que Jun’ichirō Tanizaki descreve em O elogio da sombra. Aí, Tanizaki não celebra a escuridão como ausência de luz, mas como um modo mais subtil de a ver. No seu texto, a sombra não é obstáculo, mas um véu que dignifica; uma forma de amplificar a profundidade das coisas, de permitir que a beleza emerja lentamente, com humildade. Assim também esta casa: não se ilumina de forma contundente, mas permite que a penumbra insinue, que a luz se filtre sem violência, que cada espaço seja uma experiência sensorial matizada, contida, na qual o tempo se adensa e a vida se aquieta.