Em Berkeley Hills, passado e presente encontram-se numa casa que é um manifesto silencioso de modernidade, simplicidade e pertença ao lugar.
Projeto: Mork-Ulnes Architects / Fotografias: Joe Fletcher / segundo memória descritiva
No coração do norte da Califórnia, onde o património do modernismo de meados do século continua a marcar a paisagem arquitetónica, a Mork-Ulnes Architects concluiu a remodelação sensível de uma residência icónica projetada pelo arquiteto modernista Roger Lee. O trabalho, que se desenvolve como um diálogo à distância entre gerações, devolve vitalidade a uma obra que parece surpreendentemente contemporânea, mesmo décadas após a sua conceção.

Casper Mork-Ulnes, reconhecido pela experiência em habitação e pela forma como atualiza técnicas construtivas tradicionais, respeitou a essência do projeto original, sublinhando as qualidades que definem o legado modernista: clareza de forma, ligação íntima à natureza e funcionalidade rigorosa. A intervenção preserva o caráter histórico da casa, ao mesmo tempo que a adapta à vida contemporânea e às exigências de sustentabilidade do nosso tempo.


Com vistas deslumbrantes sobre a Baía de São Francisco, a casa de Berkeley Hills já refletia, na sua versão original, a visão de Lee: um modernismo acessível, de escala modesta e profundamente enraizado no território. Influenciado por Bernard Maybeck e outros arquitetos da área da baía, Lee concebia habitações despretensiosas para a classe média, combinando a eficiência da pré-fabricação com a sofisticação artesanal.

A estratégia da Mork-Ulnes Architects partiu de uma intervenção mínima, quase cirúrgica, que reforça a ligação entre interior e exterior e valoriza a luminosidade natural. A remoção de algumas paredes libertou a cozinha para o espaço de estar, criando um núcleo central em madeira que organiza a casa e esconde zonas funcionais. Esta volumetria contrasta com a horizontalidade rigorosa das vigas expostas, do teto em madeira laminada com pregos (NLT) e dos painéis envidraçados, intensificando o caráter arquitetónico da obra.


A renovação celebra também a autenticidade construtiva do telhado em NLT, uma técnica histórica que hoje conhece um renascimento pela sua eficiência estrutural e expressão estética. Aqui, funciona como elemento-chave para reforçar a fluidez entre espaços e prolongar a experiência da paisagem envolvente.
No interior, a linguagem de Roger Lee foi respeitada e reinterpretada. A cozinha exibe superfícies em madeira e eletrodomésticos integrados, prolongando o pavimento em carvalho vermelho que agora percorre toda a casa, unificando os espaços. No núcleo central, duas casas de banho escondidas atrás de painéis de madeira surpreendem com mosaicos vermelhos vibrantes, revelando a dimensão lúdica de um projeto assente na simplicidade.


A relação interior-exterior mantém-se essencial: as áreas sociais e o quarto principal abrem-se tanto para o jardim posterior como para as vistas amplas da baía, reforçando a ideia de habitar em continuidade com a paisagem.

Fiel ao ethos de Roger Lee, a remodelação adotou uma postura sustentável e redutiva, preservando 99% da estrutura original. Esta opção, além de respeitar a integridade arquitetónica, reduz drasticamente o impacto ambiental da obra, alinhando-se com a discussão contemporânea sobre reutilização adaptativa.


Mais do que uma preservação, este projeto é uma reafirmação do valor duradouro do modernismo e uma demonstração de como os seus princípios — economia de meios, clareza espacial e expressão honesta dos materiais — permanecem relevantes perante os desafios atuais.


Integrada no pensamento apresentado no livro The Craft of Place, recentemente publicado pela Park Books, esta obra ilustra a filosofia da Mork-Ulnes Architects: uma arquitetura que honra a tradição, dialoga com o presente e aponta caminhos para um futuro mais responsável.