Por a 27 Agosto 2025

Intitulado Estúdio da Costureira, o espaço do arquiteto Sergio Facundes ocupa 40 m² no prédio brutalista da antiga Casa do Candango, restaurado especialmente para a edição de 2025 CASACOR Brasília.

Fotografia: Edgar Cesar

Com 10 anos de trajetória na arquitetura e cinco anos à frente do próprio escritório, Sergio Facundes, do UmDiedro Arquitetura, estreia-se na CASACOR Brasília com um ambiente que apresenta a sua linguagem estética e revela a sua história mais íntima, costurada com memória e identidade.

Intitulado Estúdio da Costureira, o espaço ocupa 40 m² e, mais do que um loft contemporâneo, é um gesto de reencontro com a própria origem. A figura central da narrativa é a mãe — piauiense, costureira, que atuou com clientes de alto padrão em Brasília desde os primeiros anos da cidade e a pessoa que lhe ensinou, de forma intuitiva, os fundamentos do que viria a ser a sua profissão: foi com ela que Sergio aprendeu sobre cor, composição, textura, acolhimento e escuta.


A inspiração surgiu do encontro com a Duarte Cortinare, loja especializada em cortinas e papéis de parede — e principal patrocinadora. Ao visitar a sede da empresa, Sergio deparou-se com a frase “Aqui nós vestimos a casa” e uma antiga máquina de costura. Este foi o ponto de partida: a costura como metáfora da arquitetura, do vestir a casa e, mais profundamente, do reencontro com a trajetória da sua mãe, que deixou o Piauí para trabalhar como costureira em Brasília.


A partir deste fio narrativo, Sergio concebeu um estúdio-residência onde o morar e o criar se entrelaçam: um espaço que é casa e também ateliê. O layout foi pensado para acolher todas as funções essenciais de um lar – sala, quarto, WC, cozinha e espaço de trabalho – e ao mesmo tempo permitir fluidez e transformações, como a vida. A circulação é delimitada por uma cortina móvel ondulada, que articula os espaços sem os dividir de forma rígida. Esta cortina organiza o ambiente e simboliza a maleabilidade da rotina criativa da costureira que habita o espaço.


O ponto mais impactante do projeto está no closet, onde o conceito de “vestir a casa” é concretizado. Foram produzidos 30 quimonos a partir de tecidos de cortinas, peças pensadas para serem tocadas, vestidas e exploradas pelos visitantes. Um deles, em performance contínua, perde a forma de roupa, passa por uma máquina de costura vintage com 95 anos, de origem inglesa do pós-guerra, e volta ao seu estado original de cortina, pendurando-se no espaço como um ciclo completo de forma e função. A instalação convida à reflexão: se tocamos com tanto cuidado os tecidos que escolhemos vestir, por que ignoramos o que envolve e acolhe nossos espaços?


Esse exercício de revalorização dos materiais percorre todo o ambiente. No WC, a escolha da ardósia tem um forte valor simbólico. A mãe do arquiteto sempre sonhou em ter ardósia em casa. Ao incluir a pedra no projeto, Sergio realiza simbolicamente esse desejo não concretizado — uma reparação afetiva materializada em superfícies. As faixas frisadas da ardósia dialogam com o cimento carimbado do teto e paredes, técnica artesanal que imprime no material a textura de formas de madeira.


Os detalhes artísticos enriquecem ainda mais a narrativa. Uma agulha de ouro branco flutua no ambiente presa por um fio de ouro, instalada sobre um mancebo em aço e toques de madeira. Criada pela joalheira Gabriela Policena, a peça representa a linha invisível que costura memórias e ancestralidades. Gabriela também assina as mãos douradas que sustentam a cortina, personificando o ato delicado de produzir com as mãos.

Quimonos e manequins

Os quimonos foram confecionados em parceria com o ateliê Sacramound, conhecido por explorar tecidos alternativos e reaproveitamento criativo. Entre as peças, há também vestidos feitos com amostras de cortinas, com adornos como passamanarias e tássels reutilizados de mostruários, transformados em peças de moda afetiva.

Completando o conjunto, dois manequins expostos no espaço fazem referência à prática da modelagem, exibindo as criações em desenvolvimento e reforçando a ideia de que o espaço está em uso, em movimento. As mesinhas de cabeceira, feitas sob medida com flores secas do cerrado pelos designers Eduardo e Rose, da Artífice, ampliam a conexão do projeto com o artesanato brasiliense e com a vegetação local, revelando que a memória também habita nos pequenos detalhes.

Uma história de amor e referências

O Estúdio da Costureira também se destaca por preservar elementos originais da edificação, como os arcos estruturais e partes da laje de betão, que foram restaurados com pigmentação especial para se aproximar da coloração original. Esta decisão reafirma a intenção do arquiteto de dialogar com o passado, sem sobrepor ou apagar a sua materialidade. No fundo, este espaço é um manifesto contra o distanciamento entre o morar e o sentir. Ao costurar referências pessoais, técnicas tradicionais e soluções contemporâneas, Sergio Facundes cria um ambiente profundamente autoral: um refúgio de memória, uma casa-ateliê viva, onde cada tecido tem um porquê, cada textura conta uma história, e cada detalhe é um ponto bordado com intenção.