Adquirida em 2020, esta casa em Melides é o resultado do desejo antigo dos seus proprietários de ter um refúgio junto à praia, naquela bonita costa alentejana. Uma casa de férias, de fim de semana e de todos os dias. Os filhos do casal, Maria e Manuel, partilham deste sonho, que ali levam os amigos, mas as maiores fãs são a Alice e a Ophelia, as cadelas buldogue inglesas que adoram explorar o campo à volta.
Texto: Isabel Figueiredo / Produção: Amparo Santa-Clara / Fotografia: José Manuel Ferrão
O monte, tipicamente alentejano, com cerca de 1000m2, reunia originalmente a casa do forno e um volume adjacente, destinado a arrumos. No processo de recuperação e modernização, estes dois edifícios foram unidos, dando origem a uma nova casa de alvenaria, com 5,8m de pé direito, rica em luz natural e espaço. Lá fora, na sua lateral, foi ainda instalada uma estrutura de madeira de origem nórdica, servindo hoje como espaço habitacional adicional.
Todo o projeto de arquitetura é da autoria de uma amiga da proprietária, arquiteta, que hoje se dedica às Belas Artes. O projeto de design de interiores é da responsabilidade da proprietária, mestranda em ciências farmacêuticas, área onde atuou durante 20 anos, até à data em que resolveu mudar o rumo da sua vida e seguir uma outra paixão antiga, para além do sonho de uma casa em Melides: a do design de interiores, em que se especializou. “Sempre gostei muito de peças antigas, as minhas viagens sempre incluíram visitas a feiras da ladra, a mercados de antiguidades e afins e tento sempre incorporar estas peças nos meus projetos”, adianta-nos.
No âmbito desta reconstrução, foram usados, sempre que possível, apenas materiais portugueses, com vista a uma fusão do rústico com o contemporâneo. Na casa de alvenaria, 80% do pavimento é de tijoleira de Santa Catarina riscada, e com esta dialogam o mosaico tipo ‘terrazzo’, aplicado na zona da cozinha e na casa-de-banho da suíte, o cimento afagado, num bonito tom acobreado, aplicado na casa-de-banho social, o mármore branco de Estremoz, visto nas bancadas, lava-loiças e nos lavatórios das casas de banho, feitos à medida para o efeito.
Acentuando o seu caráter de casa de campo, o teto é em vigas de madeira e as paredes receberam, na sua totalidade, uma pintura em branco. Por seu turno, a casa de madeira, pré-fabricada, tem um exterior forrado a madeira costaneira, e no interior as paredes são de madeira e de pladur e o pavimento recebeu um epóxi branco.
“A ideia para a casa principal, a de alvenaria, sempre foi a de servir como ponto de encontro e de convívio, e a casa de madeira ser o espaço de retiro, de descanso”, diz-nos. A primeira soma cerca de 200m2, dos quais 140 são em ‘open space’, e engloba as salas de estar e de jantar bem como a cozinha. “Na sala de estar, o vão da janela abre todo, em fole, permitindo a fusão do interior com o exterior, onde nos podemos sentar debaixo da pérgola ou usufruir da piscina revestida a azulejo em dois tons de verde — a piscina foi construída tendo como lateral o antigo poço, que se encontrava seco aquando da compra do monte”.
O antigo forno, preservado, foi transformado em bar e em minibiblioteca, tendo esta última sido destinada para o seu topo, “um recanto onde nos podemos sentar confortavelmente a ler um livro e a apreciar a vista”. A par com os livros, a música é algo muito presente nesta casa, “a música faz parte da vida, pelo menos da nossa” e, por isso, a sala exibe um gira-discos e uma jukebox Wurlitzer dos anos 50, de origem americana.
Às salas e cozinha, junta-se a suíte, com cerca de 60m2, onde se destacam algumas peças marcantes, caso da Ball Chair, de Eero Aarnio e do quadro assinado e numerado pelo artista plástico Jamie Reid, um dos impulsionadores do movimento punk londrino, falecido recentemente.
A casa de madeira, remetida para a lateral da casa de alvenaria, forma um L e cria a ilusão, para quem está de frente, tratar-se de uma extensão da primeira. Este volume de madeira, com a forma de um paralelepípedo, reúne, nos seus 120m2, a sala, equipada com uma pequena zona de kitchenette — pensada para um pequeno-almoço ou para beber uma cerveja arrumada dentro do Indesit amarelo dos anos 70, totalmente restaurado e a funcionar na perfeição, dois quartos, uma casa-de-banho de apoio e uma suíte.
“Nesta, além do pequeno closet, adoro a zona de duche e do lavatório, aberta para o quarto, e a zona da retrete, uma área privada em que a porta de correr é uma peça com história”, prossegue na sua descrição. À semelhança desta porta com história, também a porta de entrada da casa de madeira soma mais de 50 anos, tendo sido restaurada e pintada de verde-água. Aqui e ali, as paredes dos quartos exibem uma coleção de posters de cinema antigos, e alguns originais, oriundos de vários países da Europa e de concertos, estes mais atuais, mas, mesmo assim, originais e assinados pelos artistas.
“Diria que 80% das peças nesta casa têm história e com isto quero dizer que são peças com alguns, ou muitos, anos de vida, que foram restauradas e reparadas e todas elas cumprem a sua função original”, continua. “Gosto muito de usar nos meus projetos peças que contem uma história e de aproveitar materiais” e dá como exemplo o duche da suíte da casa de madeira, onde montou um painel de azulejos que sobraram de outro projeto.
O desejo antigo, seu e do marido, que visitam Melides há quase trinta anos, concretizou-se, por fim, há quatro. A família usa este refúgio sempre que pode, e neste contexto juntam-se os filhos do casal, Manuel e Maria, que adoram levar os amigos com eles, e as duas cadelas Alice e a Ophelia, “as nossas buldogues inglesas que adoram explorar o campo à volta”.
É uma casa feita para receber, “e a prova disso é a mesa exterior com 7×2 m”. O exterior e interior diluem-se, sobretudo a partir da sala de estar da casa de alvenaria, com a sua janela em fole, a dar para a zona da piscina, que pode abrir na sua totalidade e levar a família ao contacto direto com a paisagem. Este é um dos espaços preferidos da nossa anfitriã, a par com a casa-de-banho social, por ter “objetos improváveis, como um tanque de roupa antigo que se encontrava no exterior do monte, e o pedal de bateria, que é o que faz a água correr. Esta é uma daquelas divisões em que podemos ‘sair da caixa’, fazer coisas improváveis, sermos mais arrojados”.
A tela branca e uns toques de verde e de laranja resumem a paleta de cores. “Achei que teríamos de sentir e ler a envolvência e, neste projeto, o branco e a madeira teriam de ser as estrelas”. O verde e o laranja, vistos em alguns apontamentos, como o sofá em pele, o tapete, o terrazo, o candeeiro arco com o globo, em laranja ou a piscina, revestida a mosaico em dois tons de verde, confirmam-no.
Inspirado nas viagens, no mar, no campo e em todas as histórias e momentos que a família viveu em Melides, este projeto é, verdadeiramente, autêntico e respira o amor pela vida e pela natureza. Afastadas da estrada o suficiente para garantir alguma privacidade, as duas casas usufruem de uma paisagem de sobreiros, oliveiras, vinha e algumas árvores de fruto, tendo o Oceano ali por perto, inspirando mais e mais passeios, mais momentos junto ao mar, e junto aos amigos mais queridos.