Por a 16 Agosto 2023

Elevada no terreno, a propriedade debruça-se sobre o vale à distância de um horizonte. Lugar onde as árvores são memória e o tempo está marcado nas pedras, sente-se aqui a presença de uma herança afetiva, imprescindível para a compreensão da conceptualização deste projeto, que transcende um conceito de alojamento local.

Adaptação: Isabel Figueiredo / Fotografia: Bruno Barbosa

Há lugares com história que convidam à viagem sem pressa, à viagem inspiradora em busca do espírito de cada lugar. É assim em terras dos vales de Tâmega e Sousa, no coração do Norte de Portugal, num percurso inscrito na Rota do Românico, esse ímpar legado patrimonial materializado em castelos, igrejas, capelas, conjuntos monásticos, pontes, memoriais, torres e casas senhoriais, testemunhas da fundação da nossa nacionalidade, locais simbólicos que amadureceram entre os séculos com a natureza que os abraça.

O Arcebispado  é uma propriedade agrícola cuja origem, devidamente identificada, é formada por um núcleo senhorial que se impõe e domina a propriedade, o seu cerne, e pelo núcleo da casa das gentes que trabalhavam nas terras, as casas de apoio agrícola e a adega. Outra singularidade legitima o seu entorno histórico: a Casa do Arcebispado era a casa dos padres, outrora chamada do Paço. Parece óbvio, dado o seu posicionamento dominante sobre o Vale do Sousa, que neste local tenha existido uma casa que, pela sua preponderância, fosse a casa dos assentos, porque aqui habitavam os clérigos da Igreja de S. Vicente de Sousa, constante de um conjunto conventual do século XIII – como atesta a inscrição ao lado do portal norte, confirmando a sua sagração no ano de 1214. O portal principal apresenta três pares de colunas e quatro arquivoltas, desenvolvidas em profundidade, com bases bolbiformes, sendo um dos pares de colunas octogonal e o tímpano decorado com uma cruz da Ordem de Malta perfurada. Esta igreja, importante lugar de culto do Vale de Sousa, é um dos ex libris da Rota do Românico.

O domínio desta área pertencia a duas famílias, uma oriunda dos Sousões de Pombeiro, senhores de respeito e guerreiros, a outra, dos Vasconcelos, ligados ao Clero. A Casa do Arcebispado regista o mesmo nome, o dos Vasconcelos, e é hoje um lugar sereno, que guarda em boa memória este património de que se pode orgulhar e quer preservar para continuar.

Contexto atual

Nada há que ilustre com exatidão o que seria arquitetonicamente o Arcebispado, mas existem registos de memórias comprovados por elementos de construção. Atualmente, o mais importante é o conjunto edificado, já que dois incêndios, o último dos quais no início do século XX, destruíram por completo a casa original ou, pelo menos, a casa mais antiga, sabendo-se que ao longo dos anos e do evoluir dos tempos, transformações e adaptações acontecem.

Nos anos mais recentes, o Arcebispado foi alvo de várias intervenções. A primeira intervenção é relativa ao domínio privado em fase de desenvolvimento e a segunda de domínio público, a aguardar enquadramento no interesse municipal.

Existe ainda a intenção de adquirir posição, através da compra de pequenas propriedades vizinhas, com o objetivo de as integrar no projeto. Tais aquisições encontram-se, à data, em fase de avaliação.

À pequena resenha histórica feita acresce que em tempos pertenceu à casa o lugarejo de S. Donato, localizado sob o terreno das hortas, e que não seria nem mais nem menos do que a aldeia dos trabalhadores necessários para as lides dos vastíssimos terrenos que outrora lhe pertenciam.

Importa aqui enfatizar o caráter clerical desta propriedade que a distingue das que pertenceram aos Sousas. Os trabalhadores gozavam de autonomia, eram-lhes reconhecidos direitos e pertences e não dependiam da soberania do proprietário. É por esta razão que se constitui a “aldeia”, que até aos nossos dias chega com um caráter medieval bem acentuado, a preservar.

E é essa a intenção que cabe no plano que aqui se regista e que se perspetiva como uma intervenção cívica do interesse da comunidade e uma real possibilidade de ver este núcleo integrado nos Percursos das Aldeias Históricas fomentados pela Rota do Românico.

Intervenção 1

Da primeira fase, já concluída, faz parte a recuperação da casa principal e de toda a área envolvente, constituída por jardins, vinhas e matas. Destacam-se os vinhedos já recuperados e que, a curto prazo, se pretende ampliar, bem como a mata atlântica que será alvo de um programa de reflorestamento. Acresce a casa do motorista, a qual já integra um processo de alojamento local, inserido num programa de incentivos ao turismo.

Na metodologia de recuperação foram utilizadas todas as técnicas de construção da época, nomeadamente tabique estruturado e madeira de pinho, a dominante tradicional. Nesta intervenção, as áreas que estavam reservadas a lojas e armazém foram integradas no programa da habitação, perfazendo duas salas amplas, uma de jantar, outra de estar, interceptadas por uma parede, que se salientou por ser um elemento sobrevivente da antiga construção.

Os tetos foram cuidadosamente restaurados e ricamente decorados em estuque, conservando o seu desenho original.

A traça clássica da casa foi integralmente respeitada, com excepção das instalações sanitárias, que foram objeto das alterações necessárias às determinações que a vivência atual da casa exige.

Os jardins foram desenhados pelo arquiteto paisagista Brian Francis Skillman, tendo sido igualmente integrados no conjunto a horta e o pomar, completados pelo galinheiro, como era uso à época nestas casas rurais.

No mobiliário, utilizou-se o mesmo critério: a recuperação da totalidade das peças existentes e a incorporação de novas peças, num jogo inteligente que conforta o olhar e dá qualidade de vida a quem por lá tem passado.

É de realçar a importante coleção de arte contemporânea cujo ênfase é dado aos autores portugueses da década de 80, e a existência de um retábulo de S. Vicente, padroeiro da freguesia, datado de setecentos e em perfeito estado de conservação.

Outro documento pontifício de interesse histórico consiste na bula papal que confere autoridade à casa para realizar todos os serviços religiosos, registos de nascimento, casamento e óbitos.

Até à data, o projeto da Casa do Arcebispado tem-se revestido essencialmente de uma dimensão de intervenção social e cívica, que teve início pela valorização do seu património e da envolvente mais próxima, e que interfere seriamente na transformação do espaço público. Ao longo dos últimos anos a Casa do Arcebispado tem promovido um programa cultural relevante com um conjunto de iniciativas abertas a toda a comunidade e que em muito contribuem para a regeneração da freguesia, dando visibilidade exponencial ao capital paisagístico, cultural, patrimonial e económico desta região.

A título de exemplo, destacam-se espetáculos de ópera, música erudita e contemporânea, tecno, fado, exposições de pintura, lançamento de livros, provas de vinhos da região, festivais de jazz e de bandas de rua, o Encontro Ibérico da Harley Davidson.

Tal tem vindo a promover a ligação com a gente que deu ser a este lugar, trazendo-lhe de volta as suas origens e fazendo-as sentir orgulho pelos bens que possuem apesar de, só aparentemente, habitarem o rincão mais pobre da freguesia e, tristemente, o mais esquecido.

O projeto da Casa do Arcebispado está pronto para ser relançado, dando-se seguimento ao destino desta casa que continuar a crescer e a desempenhar o seu papel preponderante.

Do presente ao futuro

Elevada no terreno, esta propriedade debruça-se sobre o vale à distância de um horizonte. Lugar onde as árvores são memória e o tempo está marcado nas pedras, sente-se aqui a presença de uma herança afetiva, imprescindível para a compreensão da conceptualização deste projeto, que transcende bastamente um conceito de alojamento local.

É certamente desnecessário fazer-se um estudo detalhado das numerosas variantes que existem atualmente ao dispor de quem viaja. Estreitando o âmbito da análise, chegamos a um nicho de clientes com apetência por um serviço de elevado nível, na maioria pequenas unidades em localizações privilegiadas, que proporcionam um ambiente calmo, elegante, simultaneamente sofisticado e despretensioso, dificilmente alcançável em cenários de grande dimensão. Se adicionarmos ainda a possibilidade de usufruir de uma envolvência de cariz patrimonial, de uma oferta culturalmente interessante e experiências genuínas, com uma forte componente de atividades ao ar livre e uma fortíssima ligação ao lugar, ambientalmente responsável, estarão reunidas as condições fundamentais para que o projeto seja uma aposta verdadeiramente diferenciadora. Da simbiose destes vários fatores, que em momento algum poderão ser descurados, emergirá o seu índice de sucesso.

A proposta apresentada tem o objetivo de continuar a promover o sítio na sua relação com a aldeia inicial que lhe pertenceu, e de se constituir como um veículo para o enriquecimento cultural e promocional da região.

E tem de ser autêntico e único, um lugar que ofereça mais do que hospedagem, uma experiência inesquecível.

Estão por isso eleitas as novas fases de implementação e são elas: As Casas do Caseiro, que mantêm a sua vocação habitacional, readaptadas para configurar duas unidades de tipologia T2 distintas e independentes, generosas no espaço confortável e equipadas com área de kitchnete e alpendre exterior.

A reabilitação mantém a mesma metodologia, já levada a cabo na casa principal, utilizando-se as mesmas técnicas, os mesmos materiais, como é o caso do aproveitamento das asnas sobre as quais assentam os tectos, exemplo perfeito de arquitectura tradicional. Nos interiores, o estilo rústico chique adoptado é um apelo ao conforto, irresistível e convidativo aconchego. As madeiras, o couro, as mantas de lã, as texturas naturais, a pedra, alguns detalhes contemporâneos, uma selecção de peças de colecção, a relação entre o interior e o exterior, o ambiente bucólico não isento de um clima de nostalgia, os aromas da natureza, o acordar sem pressa, o escutar o silêncio, supremo luxo.

A Adega, espaço multifuncional e eclético. O antigo armazém agrícola que já foi lagar e adega faz parte da massa construída da Casa do Arcebispado e insere-se no actual contexto de requalificação cuja vocação, como atrás ficou explícito, se alarga às áreas da cultura e do desenvolvimento social.

Neste sentido, projeta-se um espaço multifuncional, uma área significativa que permita uma enorme polivalência expositiva e organizativa, para a realização de acções e eventos diversificados como o são as artes performativas e musicais, as artes plásticas, reuniões de empresas, workshops temáticos, conferências, apresentação e exposição da capacidade produtiva genuína da região.

A referência histórica e paisagística do lugar será um ponto alto anual da programação, materializado pelo Congresso do Românico.

No seu conjunto, os três pisos darão resposta cabal às exigências e às expectactivas que o projecto vai criar. Assim o piso 0 conforma um espaço polivalente, multifacetado, amplo, complementado por serviços de copa e instalações sanitárias; No piso 1, a entrada principal com acesso exterior directo, deixa aceder a uma sala de reuniões, para eventos de menor dimensão e workshops; Por sua vez, o piso 2 alberga um pequeno espaço dedicado à relaxação, com um aromático banho turco e um elegante gabinete de massagem.

A Casa da Vinha é uma construção existente não incluída nesta candidatura, mas cuja reabilitação está igualmente prevista para uma fase posterior, e que, por sua vez, aumentará a capacidade de alojamento.

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