Três apartamentos, três casos de sucesso quando o espaço é pequeno e as necessidades grandes. Cada um deles aloja várias zonas, cada uma com um uso diferente e uni-las, sempre que necessário, está na base destes três exemplos.
50 m²: Remodelação de apartamento em frente ao mar, em Málaga.
Arquitetos: Estudio Primitivo González | eGa; Ano:2019; Fotografias: Luis Díaz Díaz; Fabricantes: Ecophon, Forbo, Kettal, Klein, Roca, Schüco, Valerie objects, Vescom, Vitra, Wastberg
Hiroshi Sugimoto fotografa o mar obsessivamente. Nas suas imagens, há uma linha horizontal que separa duas massas densas: o céu e a água. Uma sala de frente para o mar é uma fotografia de Sugimoto transformada em arquitetura. Uma moldura para olhar o mar.
Ao entrar no apartamento, há um contraste radical com o restante do edifício, característico do planeamento urbano dos anos 60/70 na Costa do Sol espanhola. O tempo é suspenso pela presença da imponente vista do mar sem limites, recortada pela arquitetura.
Ortega y Gasset – filósofo, ensaísta, jornalista e ativista político – costumava dizer que “a obra de arte é uma ilha imaginária que flutua por toda a parte rodeada pela realidade. (…) É necessário que a parede real acabe repentinamente, radicalmente, e que de repente, sem hesitação, nos encontremos no território irreal da pintura. É necessário um isolador. Esta é a moldura”. Neste caso, a arquitetura é a estrutura para a contemplação da natureza.
A galeria divide-se para diferenciar um terraço exterior e um miradouro interior. O piso de madeira aconchegante e agradável atenua os ruídos, juntamente com o forro acústico e carpintaria, o apartamento aproxima-se de uma câmara anecoica. A cor cinza favorece o contraste entre o interior e o exterior.
As divisórias foram demolidas e substituídas por um único trilho de cortina que corre ao longo do teto. Uma simples mudança de posição das cortinas gera uma mudança completa de perceção do espaço, ampliando as possibilidades de 50m2: uma sala aberta, um quarto isolado, um segundo quarto com cama canguru, a sala de estar separada, a sala de jantar-cozinha, o escritório…
O jogo de posição das cortinas gera diferentes ambientes sugestivos. O tecido filtra e sombreia a luz do Mediterrâneo, com suas variações de cores. A rutura abrupta com o ambiente, o silêncio e a vista, gera a sensação de estar em um lugar diferente.
40 m²: Projeto de remodelação de residência dos anos 70 em Madrid.
Arquitetos: BURR Studio; Área: 40 m²; Ano: 2020; Fotografias: Maru Serrano
O apartamento dos anos 70 aloja-se num edifício residencial construído nos anos 70, na Calle Joan Maragall, em Madrid, e replicou o modelo de planta padrão da época, encaixando dois quartos, um WC completo, uma sala de estar e uma cozinha em 40m2. Os espaços independentes cumpriam rigorosamente os requisitos funcionais mínimos, reduzindo o tamanho potencial de cada uma das salas.
A transformação proposta opõe-se radicalmente a este princípio, eliminando as divisões entre os espaços e dissolvendo os limites dos usos associados a cada um deles. Um núcleo central integra todas as instalações da casa, sendo o WC o único elemento que pode ser completamente isolado.
O restante dos materiais, usos e quartos combinam-se e contaminam-se mutuamente, de modo que os inquilinos dormem no WC ou tomam banho na sala de estar. Um azulejo branco brilhante marca simbolicamente os usos dos espaços húmidos que estão presentes em todo o apartamento, cobrindo completamente a peça central e os pisos próximos a ela.
Como estratégia oposta, os trilhos incorporados no teto criam um espaço totalmente diferente. Um projeto têxtil para quartos provisórios que limitam usos complementares ou que exigem um maior grau de privacidade ou isolamento. Desta forma, uma cápsula de estudo pode ser gerada, um dormitório pode ser independente ou a cozinha pode ser escondida.
Em termos materiais, as cortinas que delimitam esses espaços respondem aos usos que se propõem a abrigar, de modo que o quarto é envolvido por uma cortina feita de edredãos, enquanto o lugar de estudo pode ser isolado por meio de uma cortina feita de feltro dobrado.
45 m²: Projeto de renovação de antigo apartamento de 1850 no centro histórico de Madrid.
Arquitetos: P+S Estudio de Arquitectura; Fotografias: Imagen Subliminal
O cliente queria configurar um novo espaço que abrigasse um quarto, um WC, uma cozinha, um pequeno armazém, e, se possível, um espaço extra para usos diversos. A proposta não deveria subdividir os demais os ambientes, além de aproveitar a orientação sul da varanda, iluminando todos os espaços.
Desta forma, a casa é apresentada como um múltiplo de si mesma, e procura multiplicar as possibilidades de apropriação num ambiente espacial reduzido. O “Apartamento Múltiplo”, assim foi batizado, refere-se à necessária indeterminação de ocupação que entendemos que a habitação contemporânea deve possuir. Neste modelo, a adaptabilidade e flexibilidade dos espaços desempenham um papel fundamental para permitir o acréscimo de áreas de uso, sem necessariamente aumentar a área.
Neste sentido, o primeiro passo foi refletir como seria possível crescer e multiplicar os usos, numa casa que só permitia 35 m² de área útil. Consequentemente, a variável tempo (temporalidade de uso) estabeleceu uma primeira pista, e um primeiro recurso de ação, como estratégia de intervenção. Assim, os arquitetos assumiram a necessidade de não determinar áreas de uso estático nos espaços, que permitiam uma transformação durante o uso diário.
O projeto reconfigurou a organização original, deixando apenas o perímetro estrutural como base, estabelecendo assim uma nova configuração espacial: a partir da definição de um eixo húmido, que contém a cozinha e WC, articulado por uma área de acesso à unidade, que funciona como um hall.
O setor da sala de jantar foi articulado com o quarto, por meio de dois painéis móveis, que permitem adicionar ou subtrair metros a cada uma destas duas áreas. Desta forma, é possível unir toda a planta do apartamento, conforme os usos que o seu morador deseja definir e permitindo, assim, a criação de novos espaços, novas relações visuais e circulações, que podem aparecer no uso diário do espaço.
Por sua vez, as divisórias móveis são articuladas por uma prateleira do armário, que funciona como uma peça intermediária entre a sala de jantar e o quarto. Este último é proposto como um ambiente flexível, com o desenho de uma cama dobrável, que permite que o quarto se transforme numa área de trabalho, um espaço de lazer ou comunique totalmente com a sala.
O ambiente projeta-se, portanto, como um espaço indeterminado, onde o movimento dos painéis, com o aparecimento ou desaparecimento da cama, dá lugar ao acaso, à flexibilidade e à transformação dos usos.
A estratégia da materialidade consistiu em minimizar a quantidade de elementos utilizados, de forma que o material contribuísse para unificar a configuração espacial e, assim, reduzir os recursos utilizados na obra. Desta forma, define-se um material principal, a madeira de pinho de abeto, utilizada no piso e móveis, tanto na cozinha, no WC, na cama dobrável, nas estantes, bem como na caixilharia das novas janelas; estabelecendo dessa forma uma expressão contínua entre todos os elementos espaciais.
Ao mesmo tempo, opta-se pelo uso de microcimento cinza para as áreas molhadas do WC e da cozinha, reduzindo as emendas e facilitando a futura manutenção.
O policarbonato utilizado nas divisórias móveis, procura propor um novo modo de vislumbrar, unir, dividir e iluminar a área mais profunda do apartamento, compromisso da uma operação subtil e económica.
Por fim, era importante valorizar os elementos que poderiam contar a história do local, datado de 1850. Para tal, optou-se por retirar os revestimentos da parede principal, para que a estrutura original em madeira e tijolo ficassem aparentes, com todas as imperfeições naturais do tempo. Por sua vez, preservou-se a carpintaria original das janelas principais, bem como das portas internas, expondo o pinho original, os seus veios e toda a pátina ao longo dos anos.