Por a 2 Fevereiro 2021

O coletivo francês Encore assina um dos projetos mais interessantes que nos passaram pelos olhos ultimamente, e que não resistimos partilhar convosco. Em Hourré, na fronteira do País Basco com Béarn, uma antiga casa de quinta, com um edifício agrícola vernáculo, em ruínas, deu origem a uma casa verdadeiramente vivida.

Projeto: Collectif Encore / Área: 720 m² de área inicial / Fotografia: Michel Bonvin / segundo a memória descritiva

Do lado de fora, a casa parecia tipicamente a de uma quinta basca, de arquitetura imponente e despretensiosa. “Quando, pela primeira vez, abrimos a porta principal, esperávamos encontrar um espaço central escuro e húmido, o “Ezkatz” que a maioria destes edifícios têm.

O telhado desabou e arrastou o andar superior para baixo, transformando a casa numa floresta; o quarto principal era agora uma clareira.

Imediatamente, pensámos: ‘Não vamos mudar nada’. E mantivemos aquela ‘abertura’ do telhado intacta”.

Mudar uma coisa muda tudo

Transformaram-se as portas em janelas exteriores de correr que desaparecem quando abertas.

Ao contrário de muitos arquitetos que tentam recriar o pôr do sol em cada um de seus projetos, Collectif Encore acredita que é suficiente (e muito mais económico) integrá-lo no próprio edifício.

“Uma andorinha na casa. Uma fotografia de pouco interesse. Os pássaros não se deixam fotografar. Talvez essa seja uma das razões pelas quais toda a gente fala muito mais sobre a aparência das janelas em vez de falar sobre os pássaros e dar-lhes, a eles, a opção de fazer parte da casa.

O mesmo vale para as flores e as plantas que, em geral, raramente são um reflexo do projeto”.

No inverno, o sol aquece diretamente as paredes de pedra com 80 cm de espessura e a bomba de calor ar / água entretanto instalada aquece o piso.

As paredes transformam, assim, a casa num verdadeiro fogão. “A inércia das paredes não isoladas permite que a casa respire completamente, e silenciosamente, sem o recurso a um sistema de VMC (muitos de nós já se esqueceram que o ar pode circular naturalmente sem um motor ou eletricidade).

“E quanto ao verão? No ano em que a França registou uma onda de calor de 40°, os visitantes da casa surpreenderam-se com a sua temperatura fresca e perguntaram se havia ar condicionado. É a magia destas grossas paredes de pedra que não foram isoladas”.

O estábulo…

Quando o projeto arrancou, uma das principais questões que os arquitetos tinham de responder era: “Como recuperar e renovar uma quinta de 700 m² com um orçamento reduzido?” Uma regra: “Faça o mesno possível e crie 50% de espaço ao livre”.

E isso foi algo que design bioclimático lhes permitiu alcançar, criando diferentes microclimas em toda a casa.

A sul, um terraço coberto, uma zona de ‘amortecimento’ protegida do vento e do sol, uma altura dupla entre o interior e o exterior. O sol baixa no inverno e aquece o espaço e quando nasce, no verão, a cobertura protege e a vegetação traz a sua frescura natural para dentro. A abertura no telhado permite a rega natural do jardim e a vista para os Pirenéus, no andar de cima.

Vista do segundo andar e parede envolvente. Nas traseiras da casa manteve-se o antigo estábulo como espaço técnico e de trabalho. Sem isolamento ou aquecimento. O terraço, a Oeste, fica em cima do estábulo, o antigo palheiro feito de blocos de betão. Simples e barato de fazer. E o melhor spot para o pôr do sol.

“Outra questão a que tivemos de responder foi ao facto de um dos membros da família estar numa cadeira de rodas. Em vez de instalarmos um elevador, optámos pela solução económica (e que nunca avaria), as rampas de madeira.

Casa de banho ao ar livre.

Rodeada por três lados, a casa de banho está isolada do vento e torna-se assim um “solário” por excelência com um microclima próprio. Aqui podemos tomar banho durante todo o ano, mas a melhor parte ainda é utilizá-la numa noite estrelada.

A casa de banho interior – Em vez de criar divisórias e fazer aberturas caras nas paredes grossas, os arquitetos deixaram os espaços como estão. “Ao deixar a casa inventar-se, descobrimos um quotidiano que não poderíamos ter inventado por autoreciração. Uma casa de banho de 25 m² deixa de ser uma casa de banho, passa a ser uma biblioteca, uma sala de estar, uma sala de jogos ou o que quer que seja”.

“Sempre criámos espaços multiusos”. Uma escada também é um lugar para sentar, um nível para observar o chef cozinhar, mas também pode transformar-se numa prateleira, numa mesa, num bar, num espaço de arrumação, etc.

Graças a um sistema de construção simples que permite a produção “em massa”, criámos ‘criados-mudos-escadas’ e ‘camas-prateleiras’.

O quarto (nos pisos térreo e andar superior). “Como um guarda-corpo só pode ter uma utilidade, substituímo-lo por uma rede de segurança no local de trabalho. Pode servir de balaustrada e tornar-se à vontade uma ‘brinquedoteca’, um sofá, uma rede, um lugar para ler e estudar as nuvens ou o vôo das pipas reais, para observar as estrelas… Ou então apenas uma cama enorme para os convidados.

A festa. Só quando a paisagem e as pessoas fazem realmente parte da casa é que esta pode ganhar vida. Ao abrir espaço para os seus habitantes (humanos, insetos, árvores, pássaros, flores e minhocas), a casa não é inventada uma vez, mas sim todos os dias.

Uma casa viva é uma casa feliz, capaz de partilhar a sua felicidade. É deste modo que a arquitetura torna a vida mais bela do que própria arquitetura.

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