Alojada em dois dos pisos de um palácio do século XVII, esta casa rompe com todas as convenções, e é o reflexo do gosto e vivências dos seus proprietários, e autores da decoração. Rica, aqui se combinam materiais, cores e peças num registo surpreendente.
Fotografia João Bessone
Com vista para o casario e o rio, implantado numa zona histórica de Lisboa, o edifício dos anos 1650 divide-se hoje em vários apartamentos, alvo de reabilitação, ocupando este os dois últimos andares. À semelhança de alguns casos dignos de nota, também aqui os interiores vão muito mais além da restruturação interna de uma casa. Este apartamento é manifestamente um bom exemplo disso, em que os seus proprietários, e autores do projeto de decoração, souberam tirar partido de uma área de aproximadamente 580m2 para dar origem a uma casa-palácio onde ideias preconcebidas ficam à porta. Rico em personalidade e cor, o apartamento, apoiado por um jardim e a comodidade de uma garagem, combina habilmente o antigo com o moderno, o vintage com o pop, os contrastes, tramas e jogos de luz/sombra.
Na sua recuperação, todos os materiais originais, dentro do possível, foram preservados, caso do soalho, portadas em madeira e ferragens, tetos; mas ainda o lavatório em granito e os azulejos encontrados no jardim, as paredes em estuque veneziano, as ombreiras em mármore, a chaminé da cozinha, entre outros elementos-chave. “Manteve-se também a estrutura original da casa, e para isso foram criados mezaninos amovíveis, o que permitiu manter o pé direito, ao mesmo tempo que se criaram novas divisões sempre em open space”, refere a proprietária.

Numa área de aproximadamente 580m2 nasceu uma casa muito especial, onde ideias preconcebidas ficam à porta
Contando com os mezaninos, o apartamento engloba cozinha e sala de refeições, escritório/quarto de brincadeiras, lavandaria — originalmente assumia funções de quarto de hóspedes mas a quantidade de roupa foi aumentando a par com o número de filhos —, a sala com 90m2, um “maravilhoso exagero”, a entrada, o quarto principal, o quarto de vestir e duas casas de banho. No andar superior, o sótão, encontramo-nos noutro apartamento, independente, com ligação interna, onde habitam as crianças.
casa-palácio
Neste microcosmos destinado aos mais pequenos, existe uma sala de estudo e brincadeiras, onde foi construída “uma espécie de casa de bonecas que é o quarto das raparigas, um quarto independente para os rapazes, uma casa de banho, e outro mezanino, este, sim, destinado a quarto de hóspedes.”
Logo à entrada, o impacto da dimensão das áreas, materiais e peças atrai o nosso olhar em diversas direções. Por aqui, acede-se a uma casa de banho em open space, se bem que equipada com portas, e logo a seguir a sala, em esquina. No piso superior, e sobre esta entrada, está um mezanino com o quarto de vestir (outrora quarto dos bebés) e por cima da casa de banho o mezanino do quarto principal. As escadas que partem da casa de banho dão acesso ao sótão, apesar deste ter entrada pela porta da rua. De novo, em baixo, e do lado oposto, encontramos o escritório e, por cima, a lavandaria em mezanino, seguida da cozinha em plano aberto, conectada com a sala de jantar.
Todo o espólio do casal, herança de família tradicional portuguesa, peças trazidas das várias estadas em países diferentes, foi somado às peças adquiridas para preencher o apartamento. Procuraram-se móveis grandes, um sofá generoso e armários de farmácia, que equipam a sala, entre outras. O proprietário, de origem italiana, amante da boa gastronomia, viu realizado o sonho de ter um espaço de refeições ligado à cozinha, “decisão fundamental porque lhe fazemos companhia enquanto ali está”. É notável ainda o gosto por cartazes de filmes e de publicidade —James Bond, Chanel e ‘pasta’ italiana, todos originais, comprados em leilões, em Itália, vestem algumas das paredes.
Assinalável ainda a preferência pelo mobiliário vintage, uma ou outra peça singular, como a bomba de gasolina adquirida a um antiquário português, e a mistura de estilos. Como nos referem, “não gostamos de casas frias, demasiado modernas e perfeitas, por isso aproveitamos tudo, caso das cadeiras da sala de jantar, todas diferentes.”
Para esta família, composta por dois adultos e quatro crianças, com idades entre os 3 e os 13 anos, nada falta na sua casa-palácio, “é perfeita, e vai-se adaptando às nossas exigências.”
Amor à primeira vista, é aquele com que sempre sonharam, mas que não haviam nunca conseguido idealizar, pela sua singularidade, riqueza, grandiosidade a todos os níveis. “Está cheia de detalhes, materiais nobres excepcionais, jogos de luz maravilhosos, é uma casa com muita personalidade.” Discreta quanto baste, pelo lado de fora, e surpreendente por dentro, com o seu jardim sereno, resguardado e silencioso, decorado com árvores de fruto, no coração da velha Lisboa. Melhor, é impossível.