Por a 4 Janeiro 2022

Aqui habita uma família com um gosto muito apurado por arte e design.Dois adultos, dois adolescentes e um terceiro jovem elemento.de quatro patas.Uma casa de gente feliz, recheada de boas recordações, algum humor, algum romance e muitas memórias.Tudo à vista, para que o seu usufruto seja partilhado por todos.

Fotografia: José Manuel Ferrão Texto: Isabel Figueiredo Produção: Amparo Santa-Clara

De decoração recente, o apartamento, de tipologia T4, situado em Alcântara, evidencia uma atmosfera depurada e elegante. Adquirido no seu estado original, apenas foram intervencionadas a cozinha, que recebeu bancadas em mármore e chão de tijoleira, a suite, com a adição de mais um roupeiro, e a casa de banho, ao nível dos tampos e da base de duche, agora em pedra Cascais. Os 130m2 de área interior teriam de se revestir do máximo de conforto e funcionalidade de modo a albergar a família, composta por quatro pessoas – Paulo e Ana, os filhos de ambos, e o jovem Brooklyn, um Whippet ainda adolescente –, e ali teria ainda de haver espaço para um escritório, pois a maior parte das vezes trabalha-se a partir de casa.

Era ainda desejada “uma sala ampla e confortável, para estarmos todos juntos e receber amigos…”, reforça Paulo, o nosso interlocutor.

O facto de o interior beneficiar de uma boa dose de luz natural, de um layout funcional e de uma circulação fluida é fundamental para quem ali habita, havendo, apenas, que tirar partido da abertura, ou seja, e como nos diz Paulo, “aproveitar as vistas”. E dá como exemplo o espelho aplicado na sala: “O objetivo foi desviar a atenção do prédio da frente e trazer a vista bonita, que se estende à nossa esquerda, para dentro da sala”.


O casal, ele dono de uma agência de marketing, habituado a trabalhar com design e com um gosto particular por Arte, e ela designer gráfica e estilista de moda, partilha os meus gostos. Um especto importante que está na base da decoração do apartamento. “Outro aspeto que influencia toda a escolha de peças de mobiliário e acessórios é o facto de ambos, tanto a Ana como eu, termos um espírito ‘recoletor’ e ‘reciclador’.

Várias peças das nossas casas foram aproveitadas e recicladas, compradas em leilões ou lojas de velharias, feiras da ladra e da vandôma, e por essa Europa fora… e em alguns casos, até, ‘intervencionadas’ por nós”. Outro aspeto a destacar é a luz artificial. “Dispusemos a luz de forma indireta para que se pudesse regular a sua intensidade e assim criar diferentes ambientes, mas sempre quentes e confor- táveis. Pessoalmente, gosto muito mais da decoração da nossa casa à noite, acho que resulta melhor”! 

E a casa é, no fundo, e como nos diz, “um conjunto de várias composições”, que dialogam sem conflitos, interagem, partilham o mesmo espaço: “Estamos sempre a inventar e a trazer novos elementos para dentro de casa, que não quisemos muito dividida, mas sim ampla e aberta”, prossegue. “Além do mais, a casa é igualmente muito influenciada pelas nossas viagens, dado que sempre que viajamos temos a preocupação de trazer algo que nos lembre, no dia-a-dia, aquele momento ou local, e por isso muitas das peças viajaram connosco, nas nossas malas de viagens, oriundas de vários continentes”. 

Há́ ainda a influência da família, “muito importante para nós”, vista em peças que pertenceram aos antepassados e que se misturam com tudo o resto. A casa é, por isso, diria, e a título de remate, “uma fusão de muitas emoções, a começar pelo compromisso entre o meu gosto e o da minha mulher; objetos de diferentes épocas, estilos, origens, entre outros… É um corpo vivo e em constante mutação. Poucas são as peças que não contam uma história ou ‘falam’ de alguém”! 

Mas há́ peças, de entre várias, que ‘falam’ mais alto. Paulo destaca a Cabeça de rinoceronte, no quarto de casal, um presente da mulher, ainda antes de casarem, “e que aproveita uma moldura que eu tinha de uma tapeçaria marroquina, e o toque da Fornasetti, de quem a Ana é fã̃”! No escritório, com um visual muito masculino e profundo, o nosso interlocutor salienta os prémios de caça que foram sendo comprados em leilões, os quadros com borboletas feitos por ambos, em casa, a secretária nórdica, “com uma proporção ‘estranha’, que nos permite trabalhar lado a lado, ou a serigrafia da Barbara Gil, adquirida umas férias, e que imprime um toque feminino a este lugar de trabalho”. 

No quarto do filho, Paulo aponta para a bandeira na parede (Union Jack), comprada na Escócia, enquanto estudante, num antiquário em Glasgow. “Foi-me praticamente dada, pois eles não adoram aquela bandeira, mas foi-me dito que era muita antiga”. 

No hall, o olhar dirige-se para o contador saloio, cuja base em pau santo não é original – foi desenhada pelo casal. A sua origem remonta a um lugar no Norte, onde o casal regressou muitas vezes por que ali encontram, de cada vez, muitas peças antigas, e ali se restauram móveis e ali ainda se produzem novos. Sobre esta consola, Paulo refere a coleção de arte africana, com várias origens, de Angola, Cabo Verde, Timor a Marraquexe… ou o quadro predileto de Ana, “que comprámos no Porto”, um Armanda Passos e um Rezende, “um presente dos meus irmãos”. Finalmente, o frappé, que serve de vaso e que pertenceu a um navio cruzeiro francês, adquirido num antiquário no souk de Marraquexe.

Chegados à cozinha, este amável anfitrião conduz o nosso olhar para a prateleira em madeira crua, sem qualquer tratamento. “Estabelece um bom contraste com o demais que, num primeiro olhar, nos pareceu bastante clínico, razão por que a transformação da cozinha se baseou na criação de uma atmosfera mais luminosa e no aumento de espaço — a anterior era demasiado amarelada… horrível e queríamos um espaço amplo, funcional, fácil de limpar e arrumar, salienta. “Esta é, provavelmente, a divisão onde passo mais tempo. Adoro cozinhar e é aqui que fazemos a maior parte das refeições”, diz-nos. 

Regressados à zona comum, Paulo aponta na direção da gravura de Sir William Cockburn exposta na casa de banho social, vista pela primeira vez há́ 20 anos, num alfarrabista em Edimburgo, em Victoria Street. 

“Na sala comum, dificilmente consigo destacar uma ou outra peça”, confessa. É que este é talvez o lugar da casa em que a forma como as conjugações de cores, materiais, formas e épocas salientam a sua habilidade e sensibilidade. Nas paredes, por exemplo, sobressaem os quadros do amigo e pintor João Figueiredo – existem cinco no apartamento. Depois, salta à vista o lado gráfico do casal, com um Vhils e a tapeçaria da Vanessa Teodoro arrumados na parede, bem como o néon, peça há́ muito desejada por ambos, adquirido recentemente na Yellow Boat, no Porto.

Por seu turno, o lado romântico da sala está delicadamente refletido na cabeça de gesso, “que me recorda particu-larmente a minha cidade, o Porto”, e o nu de Reys Santos, “que é de uma enorme delicadeza e candura”. Há́ ainda espaço para o relicário do Geso Marques (Oficina Marques) na redoma, “que é uma das peças que julgo contribuir a ligar tudo, a cabeça de lobo da Diesel, comprada em Roma, e as peças da TOSCA.lab do Ricardo Milne…”. No outro extremo, sobressaem as peças do calvário, de família, o busto do avô materno do dono da casa, as pratas (“poucas, mas que nos foram oferecidas pela família e que, também por isso, nos merecem um carinho especial”) e tantas outras, “pois todas são especiais e nenhuma é por acaso”. Para além disso, há́ o papel, em forma de livros e revistas, um vicio da Ana e meu, mais uma paixão que partilhamos. 

E é nesta sala, especialmente ao domingo de manhã, no inverno, quando o sol entra de uma forma especial, e à noite, no verão, com as janelas abertas, que a família se recolhe. A competir com este lugar tão especial, apenas a cozinha, que ao fim do dia recebe a luz dourada do sol, já em modo recolhimento, e onde cozinhados e conversas se fundem, para gáudio de todos. 

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